De repente num estúdio de televisão um professor  puxa dos seus recibos de vencimento para provar o que acabava de afirmar: em 2022 ganhava apenas mais 10 euros do que em 2010.

É isto possível? É. Pode ser? Pode. Na verdade em 2022, a desempenhar as mesmas funções, até podia estar a ganhar menos. Em 2010, um professor solteiro e sem filhos, no 4º escalão, no final do mês levava para casa 1473,08€.  Ora em 2022 este mesmo professor, que para efeitos de comparação vamos manter no 4º escalão e também solteiro e sem filhos, levou mensalmente para casa 1371.74€. Sim, em 2022 levou para casa menos 101.34€ do que em 2010.

Como é que isto é possível? Não diz o ministério que os professores têm sido aumentados? Diz e fala verdade. Mas os professores também têm razão quando dizem que ganham menos. O que aconteceu então? Aconteceu o socialismo. Esse processo de empobrecimento que tem a ironia de ser feito em nome dos desfavorecidos, apregoado como progresso e dado como sinónimo de defesa dos trabalhadores. E em que invariavelmente se fica mais pobre enquanto oficialmente se vive cada vez melhor. É esse processo que agora se vive em Portugal.

Assim, enquanto o governo rasga as vestes pela escola pública, e o ministro das “Aprendizagens QB e Ideologia a rodos” anuncia aumentos para os professores e funcionários das escolas, o ministro das Finanças mexe nas tabelas do IRS, fazendo do fisco o principal beneficiário dos aumentos dos salários.

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O paradoxo do professor que ganha menos 101.34€ em 2022 do que em 2010, apesar de até ter sido aumentado, ilustra esta armadilha do socialismo: em 2010, um professor solteiro e sem filhos, no 4º escalão, tinha como ordenado-base 1982,40€ (mais 85,40 de subsídio de refeição). Sobre o seu ordenado era aplicada uma taxa de IRS de 18,5, que correspondia a 366,74€ de descontos. Se à retenção do IRS juntarmos as contribuições de 10% para a CGA e 1,5% para a ADSE, constatamos que em 2010, esse professor solteiro e sem filhos, no 4º escalão, tinha de ordenado líquido 1473,08€. Ou seja, em 2010 no final do mês levava para casa 1473,08€. Descontava 509.32€.

Em 2022, o ordenado-base de um professor do quarto escalão (o tal ordenado que era de 1982,40€ em 2010) passou para 2006,25€. Mas a carga fiscal aumentou muito mais: a taxa de IRS é agora de 21,90%; a contribuição para a CGA é de 11% e para a ADSE de 3,5%. Logo, o nosso professor do 4º escalão, em vez de levar para casa 1473,08€. como acontecia em 2010, leva agora 1276,34€. Por outras palavras em 2022 descontou 729.91€ por mês, mais 220.59€ do que em 2010. Note-se que no mesmo período os vencimentos do 4º escalão foram aumentados em 23.85€. Parafraseando o engenheiro Guterres (antes desta sua encarnação como monstro dos apocalipses climáticos) é só fazer as contas.

Já sei que neste momento várias vozes estarão a acrescentar que o professor em causa teria progredido na carreira e portanto teria tido aumentos muito mais substanciais. Concordo. Para não alterarmos os termos da comparação mantemos o nosso professor solteiro e sem filhos. Mas progrediu na carreira. Chegou ao 6º escalão e tem um vencimento base de 2254,72€ (mais 95,40 de subsídio de refeição). Infelizmente em 2022 continuou a levar para casa pouco mais do que aquilo que levava em 2010, quando ainda estava no 4º escalão. Sim, apesar de o seu ordenado base ter passado de 1982,40€ para 2254,72€ , no fim do mês, em 2022, ele leva para casa 1391,78€. Aliás se não fossem os 95,40 de subsídio de refeição que passam o vencimento para 1487.18€ ainda não teria ultrapassado os 1473,08€ que levava 2010 quando ainda estava no 4º escalão!  Para onde foram então os 272.32€ que em 2022 ganha a mais por comparação com 2010? Para os cofres do Estado!  (É claro que temos os acertos de IRS mas não só não é com acertos que se orienta a vida como também haveria que fazer contas à fiscalidade indirecta).

Perante este quadro de asfixia fiscal a que fomos conduzidos torna-se evidente que não tem qualquer interesse discutir quanto se vai ganhar mas sim com que parte o Estado vai ficar. Os professores da escola pública que eleitoralmente têm sustentado este PS ilusionista dos dinheiros públicos e que calaram os ataques às escolas privadas levado a cabo pelos governos de António Costa, nomeadamente o cerco aos colégios que tinham acordo com o ministério da Educação, indignam-se agora porque os seus aumentos são comidos pelo fisco e porque estão transformados nos burocratas das grelhas. Na verdade eles não ensinam, eles preenchem grelhas onde inserem dados, incluem objectivos e detalham acções que nada têm a ver com a realidade da sala de aula. Mas não faz mal. O que interessa é ter as grelhas (e são várias!) todas devidamente preenchidas.

E agora? Temos professores radicalizados que não querem ouvir que apesar das dificuldades de progressão na carreira  não ganham pior que os outros funcionários públicos (vejam-se os montantes das suas reformas nas páginas da CGA e percebe-se isso mesmo). Temos o BE ou mais precisamente uma facção do BE a procurar conquistar na rua o que a direcção do partido perdeu nos gabinetes durante a geringonça. Temos a FENPROF a procurar ganhar terreno ao STOP. Temos o ministro assarapantado perante os seus correligionários de ontem e a prometer aumentos e progressões que o fisco levará.

E temos alunos que desde Março de 2020 não têm um ano escolar normal.  Quando voltará a normalidade às escolas? Sobretudo, quando voltarão estas a ter como objectivo ensinar?

Pode dizer-se que muitos portugueses já descreem de tal hipótese pois apesar da crise, da inflação e dos salários baixos cresce a procura pelas escolas privadas. Já vimos isto na saúde com os portugueses a serem dos povos dos países da OCDE que suportam mais despesas de saúde. Até pagamos a TAP para depois viajarmos na Ryanair.

Aqueles em que António Costa sustentou o seu poder, como são os professores do ensino público, estão agora presos na armadilha-paradoxo de que quanto mais ganham menos levam para casa.

O Estado Social sucumbiu sob o peso do estatismo do PS. O imobilismo táctico de António Costa fez o resto.

PS. O caso da pessoa trans que irrompeu pelo palco do Teatro São Luís protestando contra o facto de um actor “cisgénero” representar uma “pessoa trans” inaugurou uma nova etapa no teatro e no mundo laboral em Portugal.  O actor  “cis” apesar de ter declarado “Eu entendo a tua posição” à “pessoa trans” foi afastado, a pessoa trans contratada (como aprendeu a pessoa trans o texto da peça tão rapidamente?) e os demais actores fizeram declarações sobre a luta das pessoas trans (não do despedido) que também é a deles. Ou delas. Ou del@s. A única coisa que me preocupa além do despedimento do cisgénero por ser cisgénero (felizmente para ele representava mais personagens e portanto vai continuar em palco)  é que um dia se crie o Serviço Teatral Obrigatório e sejamos obrigados a assistir a estas encenações. Acho que já estivemos mais longe!