Com o desenrolar do novelo da TAP, quase nos esquecemos que, no início de tudo isto, houve um Governo que decidiu nacionalizar a empresa, derreter nela uma fortuna em impostos depois de anunciar que nela estavam as novas caravelas e de explicar que era fundamental ter uma companhia aérea na esfera do Estado, para depois decidir vendê-la novamente a privados. Pelo meio, desapareceram os idiotas úteis que defenderam a manutenção da empresa na esfera do Estado, hoje desaparecidos e calados, já nada preocupados com a privatização que se segue, deixando claro que o que sempre esteve em causa não era, quer para estes defensores da aviação estatal, quer para o próprio PS, uma posição de princípio sobre a empresa, mas a utilização da TAP como ferramenta de combate político para efeitos de derrube de um Governo de direita e a utilização da empresa como mais um braço do poder do PS.

Nada daquilo a que assistimos na última semana surpreende. O que maravilha é o absoluto grau de impunidade a que esta gente chegou, a sensação de que tudo lhes é permitido sem a mais ligeira responsabilização. Não é este um caso singular: se alguém se desse ao trabalho de fazer o levantamento de todos os «casos e casinhos» em que pessoas do PS se envolveram desde 2005, talvez se ficasse com uma ideia mais completa de que um partido historicamente importante se tornou numa máfia inimputável. Na verdade, se o PS é capaz de agir desta forma na empresa mais vigiada do país, nem quero imaginar o que se passa por esse aparelho de Estado fora, pelas outras largas centenas de empresas, institutos, fundações e observatórios públicos – imaginamos todos, de facto, mas como quem não vê é como quem não sente, e a sociedade de hoje é monotemática, resta-nos, por agora, assistir ao degredo exclusivo da TAP.

Isto não começou ontem, aliás. Pode até recuar-se ao poço fundo e obscuro da presença portuguesa e socialista em Macau e até à forma como o PS sempre se comportou perante o socratismo, além de, por ter ocupado o Estado em todas as suas dimensões na maioria dos últimos 28 anos e, por isso, ter tido mais meios ao dispor do que qualquer outro partido, para perceber que aquele é um partido ainda mais doente do que os outros, e que alastra os seus sintomas ao país inteiro, degradando a vida pública, arruinando a gestão da coisa pública, derrotando as instituições, para quem tudo é válido e legítimo para manter o poder.

O PS não é só um partido historicamente relevante. É fundamental para assegurar a bipolarização moderada da democracia e da sociedade, e deve continuar a sê-lo. Mas é uma evidência que este PS é uma erva daninha que causa mais prejuízo do que benefício, sendo até já hoje o partido que dá o braço à esquerda radical quando precisa dela e, ao mesmo tempo, é capaz de dar todo o gás à direita radical quando pretende eliminar a oposição moderada à sua direita. Para este PS tentacular vale tudo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

António José Seguro sabia-o e deixou tudo muito claro quando falou, em 2014, do partido invisível que queria combater. Esse partido invisível derrotou o antigo líder, fez aquilo que a democracia, no estado em que se encontra, é capaz de fazer melhor, e não só no PS: afastou os melhores e, sobretudo, os mais decentes. Num ambiente de máfia, o que sobra são mafiosos, mantendo-se, aqui e ali, alguns espécimes raros de gente que ainda se situa moralmente acima deste lodo, como meras excepções que confirmam aquela regra.

António Costa é, neste contexto, o líder ideal, um homem sem convicções e dotado de um cinismo infinito, focado exclusivamente na manutenção do poder, cativando, para o efeito, uma cáfila quase indescritível, um bando de gente sem qualidades, na maioria dos casos, ou de pessoas cuja única qualidade conhecida é a dedicação servil ao chefe e a incapacidade de divergir.

Foi assim que, ao fim destes dias de pocilga, o Primeiro-ministro veio a público afirmar apenas que um comportamento de alguém que já nem é membro do Governo teria levado a demissão. E depois o relambório pastoso e vazio que partilha com o Presidente da República, aquele sonso «apure-se tudo, doa a quem doer», quando toda a gente sabe que nunca se apura nada, nem vai doer nada a ninguém.

Vamos a caminho de oito anos de fracassos políticos, sociais e económicos. O Estado arrecada cada vez mais dinheiro e presta cada vez piores serviços públicos, sugando a sociedade de tudo o que nela ainda mexe. Mas, mais grave do que isso, o que salta à vista é o triunfo de uma corja amoral e absolutamente cínica sobre a democracia. Preocupado com a sua popularidade, o Presidente da República assiste a tudo de plateia. Foi, de facto, um azar que se espera irrepetível este de termos Costa e Marcelo juntos durante dez anos, um péssimo alinhamento de astros que deixou dois príncipes da nossa sucata democrática à frente dos destinos disto durante tanto tempo.

Nós precisamos de uma alternativa à direita, obviamente. Também precisamos de uma alternativa presidencial. E o PS precisa de uma alternativa a si mesmo. Na parte que me toca, sinto falta de um partido de que possa apenas discordar, sem ter a sensação de que não são as ideias que me separam dele, mas a decência. Suponho que haja ainda socialistas capazes de compreender esta necessidade e de lhe responder. Era um favor que faziam à democracia: salvar o PS de si próprio.