«São oito horas da manhã. Nas estradas do meu país, tenho a imagem de um povo eternamente atrasado. À entrada das cidades está desenhado o retrato de um país desorganizado. À noite, a caminho de casa, vejo um povo irremediavelmente cansado. Não há economista nem matemático capazes de calcular o prejuízo que isto representa. Assim desperdiçamos as nossas vidas.» Começa desta forma o terceiro episódio da série documental ‘Portugal – Retrato Social’, da autoria de António Barreto.

Logo depois, ouve-se o relato de Estefânia Ribeiro, residente na Póvoa de Santa Iria, no comboio a caminho de Lisboa, onde trabalha num centro de estética. Levanta-se, no máximo, às 5h00 da manhã. Sai de casa com os filhos às 6h30, deixa o filho mais novo no infantário a tempo de apanhar o comboio às 7h10. Faz a viagem em pé, num comboio apinhado. Começa a trabalhar às 8h00. Não faz hora de almoço, trabalha ininterruptamente até às 18h30. Quando tem o marido em casa, é ele quem vai buscar os filhos à escola, e Estefânia fica a trabalhar até às 20h. Deita os filhos às 21h30 e começa então a arrumar a cozinha e engomar. Deita-se à 1h da manhã, vencida pelo cansaço. No dia seguinte, tudo recomeça.

Este pedaço da vida de Estefânia Ribeiro em 2007, ano em que foi transmitido o documentário, não é diferente do quotidiano de milhões de portugueses. A esta rotina soma-se uma imensidão de problemas: pais velhos, com reformas baixas, falta de creches, locais de trabalho distantes dos locais de residência, baixos salários, escolas públicas sem professores, hospitais entupidos, com falta de pessoal e de material, serviços públicos tantas vezes desorganizados, burocráticos, ineficientes, também eles ocupados por gente como Estefânia, que quando se senta para trabalhar já leva horas de sufoco em cima.

Acresce a tudo isto, ou provoca tudo isto, não sei bem, uma cultura enraizada de dependência, de servilismo, de desorganização, de irresponsabilidade, de indiferença face ao futuro, da omnipresente culpa como factor que tudo liberta, e uma cultura que premeia mais as intenções do que os resultados. A vida dos portugueses melhorou muito desde 1974, mas é ainda má se a compararmos com a vida dos restantes europeus, e praticamente parou de melhorar há mais de 20 anos.

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Começámos há pouco tempo mais um ciclo de poder absoluto do Partido Socialista. O resultado não andará muito longe do que se adivinha: daqui por quatro anos estaremos, em demasiados aspectos, piores do que estamos agora. Na melhor das hipóteses, estaremos na mesma, o que será vendido como uma grande vitória. Durante este período, o espaço da direita democrática tem o dever de construir uma alternativa de poder que lhe permita governar. Não é uma mera prática rotineira, é um imperativo moral e democrático que o faça.

Duvido que isso aconteça. Do que tenho lido e ouvido, continuaremos agarrados a esta discussão fascinante que temos há 6 anos: saber se o legado de Passos Coelho é ou não defensável, se o PS fez ou não a expiação dos seus pecados durante o reinado de Sócrates, se Costa traiu ou não a herança do soarismo com a geringonça, se o PS deu ou não o braço a partidos radicais, se o Bloco é equiparável ou não ao Chega, se a austeridade do PS é encapotada ou se é directa como a da troika, cheios de macroeconomia, de estatísticas que comprovam a fraude social e económica que são os Governos de António Costa, fraude essa apenas contrariada na medida em que se vai alargando o quadro de dependentes, de beneficiários do apoiozinho para isto, do subsidiozinho para aquilo, da tarifa social para aqueloutro, numa maré cheia de miseráveis que o são sem o saberem.

Boa parte da direita lamenta não ter já uma sociedade aberta, independente e ambiciosa ao seu dispor para poder ganhar eleições. Ora, a direita tem a obrigação moral de oferecer aos portugueses um futuro, esvaziando de uma vez o passado de que está tão cheia. Tem o dever fundamental de pensar em soluções práticas para o dia-a-dia dos portugueses. Para os problemas que existem e que podem ser resolvidos. E paulatinamente criar condições para que se desenvolva essa sociedade aberta, ágil, independente, ambiciosa. Não se constrói uma casa pelo telhado.

Temo, no entanto, que os partidos a que nos habituámos estejam demasiado viciados, demasiado cheios de estruturas intermédias fechadas sobre si mesmas, incapazes de encontrar soluções políticas para problemas reais, já que nem as vidas dos portugueses conhecem, mais entretidos com aquilo que entendem ser vitórias retóricas sobre a esquerda do que com a política como ela deve ser vista. O resultado prático desse estado de coisas será a vitória interna, no PSD, do candidato menos apto para o trabalho que é preciso executar no país, mas mais adaptado às necessidades e aos anseios do decadentismo das segundas linhas do partido.

Sinto que mergulhámos em mediocridade e conformismo e que o PS, sendo um, não é o único responsável por isso. Espero enganar-me mas o resultado mais natural dessa mediocridade reinante é uma vitória repetida do PS daqui a quatro anos. Talvez nessa altura voltem as luminárias de hoje a questionar como pode uma desgraça dessas ter acontecido. E provavelmente alguém aparecerá sugerindo que o melhor é mudarmos de povo.