No dia 6 de setembro, Adriano Moreira, o Senhor Professor para a uma imensa plêiade de discípulos e admiradores na qual tenho o orgulho de me incluir, completa 99 anos de uma vida que continua a dedicar ao bem comum. Uma existência que brotou numa aldeia transmontana que, tal como tantas outras terras do interior de Portugal, fazia parte da «Geografia da Falta de Oportunidades».
Daí o apelo feito necessidade para a cidade grande. A descida no mapa para a luta pela subida na vida.
Uma cidade onde, por força de uma vida dedicada à causa pública, nas suas múltiplas dimensões, viria a alcançar o estatuto de Senador. Uma honra que a sua modéstia, ainda que disfarçada por um sorriso meio envergonhado, não lhe permite assumir.
Uma vida com tanto para contar, mesmo deixando de fora assuntos e curiosidades históricas de que uma convivência crescentemente informal me fez confidente. Porém, numa conjuntura em que surgem vozes a querer interpretar o passado com os olhos do presente, designadamente reduzindo a expansão portuguesa a um condenável tráfico negreiro, decidi escrever sobre a sua curta, mas indelével, passagem pela pasta do Ministério do Ultramar e escolhi fazer uma analepse de seis décadas. Um recuo até ao dia 6 de setembro de 1961, pois, no dia do seu aniversário, Adriano Moreira resolveu que não era ele que merecia uma prenda. Melhor, duas, como se explicará de seguida.
Assim, nesse dia, na qualidade de ministro do Ultramar, Adriano Moreira revogou o Estatuto do Indigenato, através do Decreto-Lei n.º 39.666, escrito pelo próprio punho. Um decreto cujo preâmbulo representa a síntese mais perfeita da colonização portuguesa e denuncia a habitual falta de autenticidade na relação entre a palavra e a ação. Daí que um normativo pensado para proteger as populações nativas e salvaguardar o seu direito privado, tivesse acabado por não fazer justiça “às razões e intenções que o determinaram” e prejudicasse de forma efetiva aqueles que deveriam ser protegidos.
Um único parágrafo, no final do Decreto-Lei, serviu para pôr fim a uma prática vexatória de décadas. Era a autenticidade a mostrar que tinha chegado a sua hora. Aliás, seria em nome dessa autenticidade que, um ano mais tarde, em 6 de setembro de 1962, Adriano Moreira se veria obrigado a promulgar o Decreto n.º 44.455, destinado a dispensar os antigos indígenas da documentação exigida para a obtenção do bilhete de identidade. Mais uma vez era o ministro a mostrar que não desconhecia a existência de agentes da administração colonial que se serviam desse pretexto para impedir o acesso ao documento que certificava a existência enquanto cidadão.
Talvez convenha lembrar que Adriano Moreira continua a fazer questão de assumir a responsabilidade por todos os atos por si cometidos em todas as circunstâncias da vida, designadamente enquanto ministro do Ultramar. Aliás, sobre essa fase da vida só o incomoda a ideia de poder não ter feito algo que tivesse estado ao seu alcance. Um incómodo desnecessário, mas que aponta para o sentido humanista de alguém que teve razão antes do tempo previsto por um regime que não soube ler os ventos da História. Um regime que não aceitou mudar de política e se viu confrontado com a necessidade de procurar outro ministro.
Por falar em História, quando questionado sobre o papel que esta lhe reservará, Adriano Moreira volta a dar a palavra à modéstia e limita-se a dizer que a História tem mais com que se preocupar. Felizmente, ainda não é chegado o momento desse balanço. O centenário só já está à distância de um ano. Para sorte dos portugueses que podem continuar a contar com a presença atenta, afável e esclarecida de um Senador.
Parabéns, Senhor Professor!