Em Timor-Leste a realidade com que nos deparamos é, em boa parte, muito diferente do nosso Portugal. Assim que se aterra, um calor opressivo assalta-nos o corpo e a nossa vista fica presa à pobreza escancarada nos pés descalços dos miúdos sorridentes, tudo no quadro da beleza tropical, agreste, verde-rubra como lhe chamou Ruy Cinatti, desta ilha.

Mas deixando de fora primeiras impressões, o que é, também, extraordinário, é ir percebendo as semelhanças entre nós e este povo e país irmão. País irmão, diga-se, sem risco de cliché diplomático. Na verdade, em Timor percebe-se, genuinamente, quanto possível é dois países serem irmãos, com diferentes idades, percursos e circunstâncias, mas com raízes comuns: cultural, linguística, histórica e religiosa.

Assim, com as nossas diferenças e semelhanças, há uma pergunta que surge naturalmente: o que é que este nosso irmão mais novo, com uma população tão jovem e uma independência com cerca de 20 anos, pode ter a dizer a este irmão mais velho, independente há já 800 anos?

A primeira coisa, é a sua ideia de dignidade que, nas palavras do historiador José Mattoso, se revela no cuidado e na delicadeza com que o povo acorre à missa ao domingo. Todos se apresentam bem, elas, com vestidos compridos de motivos coloridos, eles com camisas simples e lisas, e os miúdos com a primeira (única?) camisa lá de casa com bom tamanho para se lhes pôr em cima e um par de sapatos nos pés.

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É uma dignidade bela e simples, de um povo que se sabe povo, conhece o seu valor e lutou dolorosamente para o defender, contra um invasor que o atacava e o pretendia diminuir.

É a mesma dignidade com que os timorenses têm deferência pelos velhos, professores, estrangeiros, padres, freiras e outras autoridades. Existe um tratamento especial e humilde, por vezes cénico e marcado, mas sem frieza ocidental ou auto-desvalorização. Tratam com particular respeito, mas sem esquecer o valor próprio. Qualquer timorense, por mais reverenciais que sejam os cumprimentos iniciais, se pode sentar lado-a-lado e com salutar à vontade seja com quem for, do Presidente ao homem do lixo.

A dignidade é, assim, algo de natural, existencial, sem grandes alardes e comum a todos.

Uma vida digna em Timor não é necessariamente uma carreira profissional sofisticada ou bem remunerada, boa habitação no centro da cidade, tecnologia ou internet de ponta, cozinhas de restaurantes fiscalizadas pela ASAE ou estradas bem alcatroadas.

Entenda-se, é fundamental que, com tempo e trabalho, possa Timor vir a oferecer melhores condições de vida ao seu povo, as quais dignificam a vida da gente, mas cuja ausência não os torna indignos.

Pelo menos, a falta daquelas condições tem a virtude de deixar claro, como a luz do dia, o essencial: que o valor das pessoas não está no melhor ou pior carro e casa que tenham, no bom dinheiro, na maior ou menor meritocracia dos seus trabalhos, nos equipamentos tecnológicos que utilizam e na certificada fiscalização da sua comida e das suas estradas.

Não, aqui a vida é digna porque é vida e o povo é digno porque se sabe povo. E isto, que deveria ser óbvio, parece já não ser no país e irmão mais velho. Neste reina, obsessivamente e com grande prejuízo da nossa atenção e tempo, em conversas e telejornais, gritos e manifestações, ambições e tristezas, uma constante confusão sobre o que seja uma vida e um povo dignos.

Que haja boas condições de vida é a legítima aspiração de qualquer povo, sem dúvida. O que já não será legítimo, é pretender medir a dignidade da vida de cada um e de todos em função de se atingir ou não esse objetivo, criando uma ansiedade e amargura individuais e colectivas de quem não se reconhece digno por falta de certas condições materiais.

Esta é a primeira coisa, por simples e basilar, que este país e irmão mais novo nos recorda, com a categoria, beleza e simplicidade com que só os timorenses o fazem.