1 O Passado. Portugal viveu entre 2000 e 2014 uma “longa estagnação”. Naquele período a economia cresceu zero. Um grande, profundo e frustrante zero. Tanto mais que entre 1960 e 1985, e apesar dos períodos de crise derivados dos choques petrolíferos e do período revolucionário, a economia portuguesa cresceu a uma taxa média anual de 4,5%. Um crescimento similar (cerca de 4%) voltou a verificar-se entre 1986 e 2000.
Pior: o declínio económico iniciado com o novo século interrompeu a subida clara da riqueza per capita dos portugueses de 58% para 70% da média da União Europeia no período entre 2000 e 2014. Isto é, Portugal empobreceu e aproximou-se do fundo da tabela.
Os dados e as constatações são dos economistas Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação e estão expostos no livro “Crise e Castigo — o Dia Seguinte” (1) — uma obra obrigatória para conhecermos as causas do que os autores classificam da “mais longa paragem dos últimos 100 anos”.
E que causas são essas? As seguintes quatro:
- As despesas do Estado superaram consecutivamente o valor das receitas, gerando défices sucessivos e irritantemente crescentes. Desde a entrada em vigor do Pacto de Estabilidade e Crescimento, Portugal foi o único país a violar sistemática e ininterruptamente o teto do défice de 3% do PIB entre 2001 e 2014;
- Pior: o peso da despesa pública no PIB não parou de aumentar. De um total de 36% em 1988, passou para 50% em 2010. O mesmo se diga do aumento da carga fiscal correspondente.
- O país teve de emitir dívida pública financiar esses défices. No período 1995/2000, o endividamento público e privado total passou de 164% para 338% do PIB. Só no período entre 2000 e 2010 passou de pouco mais de 200% para quase 350% do PIB. Já a dívida pública subiu de pouco mais de 70% em 2007 para 130% em 2014.
- A queda abrupta da poupança (caiu de 26% para 11% do rendimento bruto disponível entre 1990 e 2010) e os sucessivos défices comerciais externos fizeram o ‘resto da festa’.
Mais do que uma década perdida, os 15 anos do período 2000/2014 representam um falhanço total e absoluto em termos económicos.
2 O Presente. Apesar dos otimismo irritante de António Costa, a situação melhorou no período 2015/2018 mas “poucochinho”. É verdade que voltamos a a crescer ligeiramente acima da média da União Europeia com uma taxa média anual de crescimento de 2,4% ao longo de 28 meses consecutivos de subida, regressando à convergência com a União Europeia desde 2017. E que a taxa de desemprego desceu para 6%.
É igualmente correto dizer que interrompemos claramente o ciclo de défices colossais e temos défices abaixo dos 3% desde 2016 — prevendo-se pela primeira um excedente orçamental em 2020. Tal como é verdadeiro afirmar que a dívida pública está finalmente a descer desde o pico de 132% em 2014, esperando-se que fique nos 119% do PIB em 2019 e que se situe abaixo dos 100% em 2023.
Repito: os dados são positivos.
Assim sendo, qual é o outro lado da questão?
- Portugal continua a crescer a um ritmo que, apesar de tudo, é lento. Só em 2018, treze países cresceram mais do que o nosso país, sendo que a Hungria, Roménia, Letónia e Lituânia foram os únicos países que cresceram claramente acima dos 3%;
- No ranking do PIB per capita, Portugal está a descer desde 2017 e 2018, tendo caído da 19.º para a 21.º posição da União Europeia. Somente Bulgária, Croácia, Roménia, Grécia, Letónia, Hungria e Polónia estão a atrás de Portugal mas com boas hipóteses de ultrapassar o nosso país.
- O controle orçamental tem sido feito essencialmente através do aumento das receitas. Entre 2015 e 2019, a receita total aumentou cerca de 9 mil milhões de euros, o que perfaz um aumento de 11,5% entre 2015 e 2018. Só os impostos indiretos subiram quase 5 mil milhões de euros — um crescimento de 18,4% no mesmo período. A carga fiscal aumentou para o record de 35,4% do PIB.
3 O Futuro. Com a frente orçamental controlada e a dívida a descer de forma sustentada por via do crescimento do produto, o que podemos esperar do Governo de António Costa? Confesso-vos que as minhas expetativas são baixas, muito baixas. Em primeiro lugar, porque Costa não quer fazer o que se impõe: reformar este Estado que tudo asfixia.
Um Estado incapaz de uma visão estratégica não só para captar investimento direto estrangeiro para projetos estruturantes que aumentem a nossa capacidade exportadora, como também para estabelecer um plano nacional de promoção de produtividade. Porque só com a conjugação de investimento e aumento de produtividade será possível aumentar os salários dos trabalhadores portugueses.
Um Estado que bate recordes anuais com a carga fiscal que impõe a famílias e a empresas, apertando ano a ano cada vez mais o garrote fiscal para assegurar as receitas que financiem um Estado ineficiente, incapaz e incompetente na Saúde ou na Educação. Pior: um Estado que manda às malvas os direitos, liberdades e garantias para cobrar impostos e contribuições, construindo uma Justiça Fiscal indigna de um Estado de Direito digno desse nome. A eficiência do Estado português é apenas e só para cobrar impostos — e não para prestar serviços de qualidade.
E um Estado que obriga a descontar para um sistema de pensões insustentável que não tem ponta por onde se pegue face ao inverno demográfico que vivemos desde há muitos anos — e que não tem solução à vista com a Comissão Europeia a projetar uma queda da população portuguesa de 10 para 6 milhões em 2060. São necessárias políticas agressivas de natalidade e de atração de imigração qualificada mas deste Governo não se conhecer.
Mais do que uma conspiração grisalha, o nosso sistema de Segurança Social é a prova viva da total incompetência da classe política que prefere esconder o óbvio da população e da desigualdade entre gerações em que os atuais pensionistas usufruem de pensões baseadas em fórmulas de cálculo ultra benéficas que são pagas pelos atuais contribuintes — que, por seu lado, terão direito no futuro a uma pensão com um corte que pode chegar aos 40% por via do fator de sustentabilidade e da indexação à totalidade da carreira contributiva.
Há muitos outros temas mas se António Costa quer mesmo marcar os próximos 10 anos pode começar por aqui.
(1) Todos os dados estatísticos citados neste artigo constam da obra “Crise e Castigo e o Dia Seguinte”, de Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019)
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