Ao longo dos últimos dias surgiram uma série de notícias sobre despedimentos em empresas tecnológicas em Portugal. Numa altura em que se continua a falar de quão escassos são os recursos humanos nas áreas de software para fazer face a todas as iniciativas globais de digitalização das empresas, estas notícias supreenderam pelo menos os menos atentos a este assunto.

Mas a supresa é ainda maior por estas notícias surgirem de empresas do seleto grupo de unicórnios, as startups ou scaleups valorizadas em mais do que mil milhões de dólares, como o caso da empresa de ADN nacional Remote, mas à qual se juntam notáveis como Netflix, Twitter, ou outras.

Não se trata por isso, de todo, de um fenómeno nacional, nem tão pouco circusncrito a um pequeno conjunto de empresas. A Layoffs.fyi mantém uma base de dados atualizada, a partir exclusivamente de informação pública, dos despedimentos de startups, onde se encontram algumas das empresas a operar em Portugal.

No gráfico seguinte podem mesmo ver-se os números totais a aproximarem-se dos valores do início da pandemia, em 2020.

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(Gráfico retirado de layoffs.fyi)

Em Portugal, a Teamlyzer vai recolhendo igualmente informação através de um misto de fontes públicas ou contactos diretos sobre as principais notícias relativas às empresas tecnológicas presentes em Portugal, e em que a recente onda de despedimentos não passa despercebida.

A guerra na Ucrânia e o impacto nas cadeias de abastecimento e em particular nos produtos energéticos, vieram agudizar os problemas de inflação que já se vinham a sentir, e que, por sua vez, deram lugar ao início de políticas monetárias mais restritivas com consequências nos mercados de capitais.

Em cenários de menor liquidez, são naturalmente os ativos de maior risco os que sofrem maior impacto. Nestes incluem-se os investimentos em startups, cujo retorno esperado está relacionado com lucros futuros, indiciados pela evolução de indicadores avançados.

Com base neste cenário, foram várias as empresas de capital de risco a antecipar a necessidade de controlo de custos já no final de maio, traduzindo-se essencialmente em congelamento de novos recrutamentos ou mesmo em redução de empregados.

Exemplos disso foram a Y Combinator, conhecida aceleradora de startups, por trás de investimentos em empresas como a Airbnb, que veio sugerir aos fundadores das empresas participadas que reduzissem custos por forma a não necessitarem de novas rondas de investimento durante os próximos 24 meses.

Também a Sequoia Capital, uma das mais reputadas empresas de capital de risco, veio igualmente aconselhar as suas participadas a prepararem-se do ponto de vista de custos para uma crise económica que poderá durar algum tempo.

Entre estes avisos ou recomendações e ações concretas passaram-se apenas algumas semanas, confirmando a agilidade com que as decisões são tomadas no ambiente destas empresas tecnológicas, algumas já com uma estrutura considerável.

Esta mudança no clima que era de otimismo está a ser assim extremamente rápida e leverá, pelo menos, a um ajuste no mercado de financiamento de empresas, que se traduzirá inevitavelmente num ajuste no mercado de trabalho de tecnologia.

De facto, na segunda metade de 2020, no período pós primeira vaga da pandemia, o rácio de valor da empresa sobre o valor de vendas chegava a 50 ou mesmo 100x. Se era ou não uma bolha especulativa, e se estamos a assistir a uma inversão do mercado, é cedo ainda para saber. O que sabemos é que há uma correção. E que, numa situação em que os mercados têm menor liquidez, parecem estar a afastar-se os tempos de dinheiro barato e contratações sem limite.

É tempo por isso para as startups se focarem em apresentar uma boa evolução do negócio, solidez de métricas e critério em termos de investimento. No fundo, simplesmente garantir que são aplicadas boas práticas de negócio, mas que eram por vezes esquecidas quando eram poucas ou nenhumas as restrições de financiamento.