Há alguma coisa de estranho nas visitas dos dirigentes do PS ao antigo PM, José Sócrates. Claro que se pode sempre usar o argumento da “amizade”, como todos têm feito. Não será necessário escrever um ensaio sobre a amizade, e sobretudo sobre a amizade em política, para perceber que há qualquer coisa mais do que a amizade. E a maior surpresa veio com as declarações do actual líder socialista, António Costa. Vai, obviamente, “visitar um amigo”, mas só durante as “férias do Natal”. Se é mesmo um “amigo”, e a se a visita é a “título pessoal”, não arranjará António Costa algum tempo, nem que seja num Domingo, para ir visitar um amigo? E por que razão, o líder do PS sentiu necessidade de anunciar a visita com semanas de antecedência? A outra visita surpreendente foi a de Guterres. Não a visita, mas a sua duração: “vinte minutos.” Quem vai a Évora, pode ficar um pouco mais. Por exemplo, Silva Pereira, um “verdadeiro amigo”, ficou uma hora e meia. Como se explica os 70 minutos de diferença? Pelos respectivos níveis de amizade?

A estratégia do PS em relação ao “caso Sócrates” tem sido a seguinte: até ao julgamento, Sócrates deve ser considerado inocente; e a “amizade pessoal” exige “solidariedade” numa hora difícil para um “amigo”. Formalmente, tudo bem e estou absolutamente de acordo. Mas a história está longe de acabar aqui. Os próximos episódios políticos são as eleições legislativas em Setembro/Outubro de 2015 e as presidenciais em Janeiro de 2016. E os casos de que Sócrates é acusado aconteceram durante o período em que liderava um governo socialista. No período em que, parafraseando o discurso de António Costa no Congresso do seu partido, “o PS tinha uma maioria, um governo e um Presidente.” Não foi depois de Sócrates ter abandonado São Bento. Ou seja, o que estará em causa é o comportamento de Sócrates como chefe de um governo, e não como um cidadão na sua vida privada. E esta é a diferença que pode ser fatal para o PS.

Além de terem mostrado a sua “solidariedade”, o que terão dito os dirigentes do PS a Sócrates em Évora? E que mensagens estará António Costa a enviar com o anúncio da sua visita? Todos nós sabemos que José Sócrates é um “animal feroz” (eu só o sei porque ele o anunciou aos portugueses numa entrevista; como nenhum dos seus camaradas alguma vez o desmentiu, presumo que seja verdade). Mas há uma coisa que sei: os “animais ferozes” não gostam de ser mal tratados. E Sócrates está absolutamente convencido que foi mal tratado. As suas cartas não são apenas “cartas de ódio”, são também “cartas de ameaças” ao seu partido. Sócrates tem um grande poder: as vitórias do PS nas eleições legislativas e de Guterres nas presidenciais, dependem dele. Se ele quiser, Costa e Guterres perdem. E a sucessão de visitas mostra que o PS sabe isso. A visita de Guterres foi, na minha opinião, a declaração de que é, pelo menos, pré-candidato presidencial. Sócrates decidirá se também será candidato. Calculo que em Évora, os amigos de Sócrates lhe dirão qualquer coisa como “tem calma e não prejudiques o partido.”

Estamos perante um jogo muito complicado e perigoso. O PS precisa do silêncio de Sócrates para ganhar. Mas Sócrates tem que fazer barulho e de escrever cartas para o PS não se concentrar demasiado em Lisboa – em São Bento e em Belém – esquecer que Évora existe. Sócrates continuará a recordar regularmente que Évora também é Portugal. Quanto tempo poderá este jogo durar? E quanto tempo o país aguentará?

Há ainda outras questões por responder. Conseguirão os socialistas domar o “animal feroz”? Até agora não o conseguiram, e já enviaram os pesos pesados. A segunda questão é bem mais perturbante: estão a prometer alguma coisa a Sócrates em troca do seu silêncio?

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