1 Desespero. Um puro e profundo desespero. É a única forma de ver as ações de Rui Rio nos últimos dias. Depois de ter visto o Conselho Nacional rejeitar a 14 de outubro de forma a clara a sua ideia peregrina de adiar diretas, após insistir durante dias a fio na mesma proposta por o Orçamento de Estado ter sido chumbado, Rio tentou mostrar este sábado que também ele é habilidoso e passou a defender propostas que entram em contradição contra tudo o que sempre defendeu.

Deixou de importar que o líder do PSD sempre tenha sido contra a abertura dos cadernos eleitorais a não militantes ou a quem não tivesse pago quotas. Ou que não feito alterações profundas na forma de pagar as quotas para prevenir “cambalachos”. Foi quase como tivesse sido outra pessoa, um irmão gémeo malvado, que tivesse tentado adiar as diretas há menos de um mês.

Rio tanto passou do 8 para o 80 que até ele, um homem que se diz o mais honesto da raça humana, propôs datas para a realização das diretas que eram ilegais do ponto de vista dos estatutos do partido. Rio tentou dar um salto mortal de costas para cair em espargata sob o aplauso do Conselho Nacional do PSD mas as contas saíram-lhe furadas.

2E, mesmo derrotado de forma pesada pela segunda vez consecutiva, insistiu nas mesmas teclas e ideias. Rui Rio não percebe que o partido cansou-se da sua narrativa autoritária do “eu sou muito sério e o que interessa é o que eu digo!”, bem como da cassete pirata da Feira da Senhora da Hora com o título “eles são uns malandros e não percebem nada disto”.

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Este “eu” contra “eles” não é mais do que uma simples tática populista para tentar a eterna vitimização do bom samaritano contra o resto do mundo. E é algo que o aproxima claramente de André Ventura. Ambos são especialistas em táticas de vitimização, ambos têm estilos de liderança autoritários e ambos vêem-se como os Messias dos respetivos partidos e os únicos que têm soluções para o país.

Regressando ao PSD, a questão é que nem o partido está em estado de sítio, nem é uma autocracia que se limita a seguir os diferentes humores do dr. Rui Rio. Até Paulo Baldaia, o jornalista que melhor compreende o funcionamento de Rio (porventura, será mesmo o único), o aconselha a desistir desta guerrilha. Chega de tricas e de tentativas de golpadas.

3 Já aqui disse: as diretas do PSD são uma excelente oportunidade para mostrar ao país dois projetos claramente diferenciadores protagonizados por Rio e Rangel. As diferenças são mais do que muitas a nível político, estratégico e ideológico, o debate será clarificador e o vencedor sairá sempre com força para se tentar impor no país.

Mas mais do que as diferenças estratégicas — do posicionamento do partido e das políticas de aliança —, o que interessa são as ideias para o país.

Se ambos pensam que as políticas do PS de António Costa levaram ao empobrecimento relativo de Portugal face aos países da União Europeia, que ideias têm para regressarmos à estrada do crescimento económico e a um aumento do poder de compra generalizado da população — e não apenas daquela que recebe o salário mínimo?

Precisamos mesmo de políticas públicas específicas para a produtividade — um dos maiores problemas da nossa economia e que é uma séria ameaça à competitividade do país? Que soluções para captarmos mais investimento direto estrangeiro que permita um aumento da mão de obra qualificada, logo dos salários do país?

Precisamos mesmo de uma reforma fiscal que baixe a pressão sobre as famílias e permita uma maior competitividade fiscal para captarmos de forma mais eficiente investimento internacional? É inevitável a baixa generalizada dos impostos?

E se o PSD defender uma baixa generalizada dos impostos, como vai reduzir a despesa pública de modo a não aumentar o défice orçamental? Quer uma reforma do Estado? Vamos voltar a ter regimes mistos público-privados na área da Saúde e da Educação?

E a Segurança Social? Rangel já sinalizou a sua preocupação com este dossiê para reformá-lo mais à frente – uma reforma que só poderá ser feita com o PS. Rio pensa o mesmo? E que soluções concretas propõe?

Há muitas perguntas que precisam urgentemente de resposta.

4Uma coisa é certa: as diretas do PSD serão fundamentais para que os portugueses percebam que a solução para o crescimento económico sustentado e sustentável está ao centro, nomeadamente no centro-direita.

É do mais elementar bom senso político e histórico que tais soluções nunca serão encontradas nos extremos mas sim entre as forças políticas moderadas, reformistas e não populistas do espectro político. É essa a verdadeira luta estrutural para os próximos dois e três anos de instabilidade política que temos no horizonte.

Se se concretizarem as perspetivas de um Partido Socialista mais radicalizado liderado por Pedro Nuno Santos, as forças políticas do centro-direita (PSD, CDS e Iniciativa Liberal) serão ainda mais essenciais para não só manter o bom senso atrás referido, como também para obrigar Nuno Santos a moderar-se.

Veremos o que acontece nos próximos capítulos.