Qual é o problema que está a condicionar mais o nosso crescimento e a colocar de novo Portugal no grupo dos países em risco? A dívida total da economia é a resposta óbvia. Parece, então, igualmente óbvio, que a principal prioridade da política económica deve ser aliviar essa restrição financeira.

Há um consenso prévio para este caminho. É preciso que os partidos que governam o país concordem que a reestruturação da dívida é uma solução fora das nossas possibilidades. Os ganhos, superiores às perdas, de uma reestruturação só são alcançáveis se existisse, na Zona Euro, uma política global de perdão, de uma parte da dívida, a um conjunto de países e não apenas a Portugal. Um perdão isolado a Portugal significaria para o país a manutenção da restrição financeira, apenas com uma dívida mais baixa.

O caso grego é um bom exemplo para os problemas causados pelo tratamento diferenciado de um país do euro nas actuais circunstâncias. É frequente citar-se o caso do perdão da dívida à Alemanha no pós-guerra mas parecem óbvias as diferenças. Os alemães tinham acabado de ser vencidos e durante décadas foram um país dividido e sem direitos plenos. Não podiam, por exemplo, ter forças armadas.

Claro que o Governo pode apostar na inevitabilidade de uma reestruturação da dívida, antecipando que os governos do euro irão ceder se, e quando, a situação financeira for insustentável para um grande país – o melhor candidato é a Itália, por causa da banca. Mas é uma aposta arriscada. Mesmo que isso venha a acontecer – o que não é claro –, o problema português pode explodir mais cedo e acabarmos por ser a nova Grécia. (Já não foi positivo o artigo que saiu no Financial Times esta quarta-feira).

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Só a partir destes consensos é que podemos delinear medidas que ataquem ao mesmo tempo a dívida e a restrição financeira.

Na linha da frente tem de estar a lista do “não fazer”. Primeiro, em nenhuma circunstância, se devem adoptar medidas que agravem o problema do endividamento, seja por via de mais dívida, seja através da criação de desconfiança dos credores ou potenciais financiadores. O Estado é, aqui, o protagonista. São os sinais da política económica que mais podem contribuir para aliviar a restrição financeira através da confiança que se transmite a quem tem dinheiro para nos financiar.

As mensagens dos protagonistas políticos, nomeadamente do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, têm força para abrir um pouco o financiamento externo ao Estado, às empresas e aos bancos. Os discursos duros do anterior primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e do ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar podem ser integrados nesta estratégia de conquista da confiança. É impossível medir, mas se o fosse, poderíamos saber quanto do financiamento externo não teria chegado a Portugal se o discurso de Passos e Gaspar tivesse seguido a linha grega.

Na lista de “não fazer” há algumas linhas que já não conseguimos apagar, como a anulação da concessão dos transportes públicos. Mas ainda vamos a tempo, se o Governo e os partidos que o apoiam quiserem, de “não dizer” reestruturação da dívida. Não dizer também muitas outras frases que criam insegurança a quem investe, seja português ou estrangeiro.

Paralelamente deveriam ser adoptadas medidas que incentivassem as famílias e as empresas a reduzirem a sua dívida. Há ganhos em diversas frentes e no curto e longo prazo com iniciativas que tenham a redução do endividamento como objectivo.

Para as famílias, uma medida possível poderia passar por incentivar a amortização antecipada do crédito à habitação, num modelo de benefício fiscal que minimizasse obviamente a perda de receita. E o consumo?, perguntará quem considera que é por ali que se reanima a economia. Aquilo que se perdia – se é que se perdia – por esta via, ganhava-se por outras. Primeiro protegiam-se as famílias de um aumento das taxas de juro, que um dia acontecerá, e que agravará os encargos com a casa. Em segundo lugar aliviava-se a pressão sobre a rentabilidade de alguns bancos que têm uma elevada carteira de crédito à habitação, com margens muito baixas, construídas nos tempos em que a concorrência pela conquista deste mercado era elevada. Em terceiro lugar aliviava-se a restrição financeira da economia como um todo.

Nas empresas há a proposta já antiga de considerar também como custo fiscal o juro implícito no capital dos sócios. Há muito tempo que se sabe que há um forte incentivo ao endividamento das empresas por motivos de optimização fiscal – paga-se menos impostos com um empréstimo, porque os juros são custos financeiros que deduzem aos lucros. Claro que as finanças públicas não permitem que se vá muito longe nesta medida, mas podia começar-se. Nem que fosse pela negativa: limitar os encargos com juros que são considerados como custo, tendo por exemplo como referência um rácio de endividamento.

Dirão alguns que, tomara as empresas terem dinheiro para sobreviverem quanto mais para se capitalizarem. A realidade que é reportada por alguns bancos não é essa. Há empresários que têm as suas empresas muito endividadas e ao mesmo tempo elevadas aplicações de tesouraria. O que, nesta fase, não sendo racional do ponto de vista financeiro, é-o na perspectiva do planeamento fiscal.

Na era da troika, um dia, numa conferência, um responsável austríaco das contas públicas contava que o Orçamento, por lá, estabelece no máximo cinco objectivos. Neste regresso de férias, quando ainda estamos a meio gás, o Governo e as empresas poderiam aproveitar para fazerem isso mesmo. Identificar no máximo cinco problemas que querem resolver com uma hierarquia clara. Reduzir a dívida do país parece ser obviamente o “cardinal 1”.