1 Os socialistas são mestres em tentarem convencer-nos que os acontecimentos mais expectáveis do mundo são, na realidade, os mais inesperados de sempre. José Sócrates jurava em 2010 que o “mundo mudou nas últimas três semanas” para justificar a aplicação das primeiras políticas de austeridade, quando, na realidade, já tinha mudado com a queda do Lehman Brothers em 2008 — o que não impediu Sócrates de levar o país para a bancarrota.

Ora, António Costa também é especialista em ‘sacudir a água do capote’ quando lhe convém. Veja-se no caso da Covid-19. O primeiro-ministro mostrou-se surpreendido em março com o aparecimento da covid-19 quando a doença tinha surgido na China no final de 2019 e em janeiro e fevereiro deste ano a situação era catastrófica em Itália e Espanha. Como o seu Governo não se preparou minimamente, os médicos não tinham fatos de proteção necessários e não havia o material necessário para fazer testes em larga escala, entre muitas outras falhas. Assim, e apesar da Organização Mundial de Saúde (OMS) falar em “testar, testar, testar” para detetar infetados e isolá-los, o socialista com doutoramento em habilidades dizia: “é preciso ter uma enorme disciplina para conter o contágio”.

Obviamente que Costa passou a adotar a política da OMS quando o Ministério da Saúde ‘deu ao pedal’ e comprou os materiais que faltavam para realizar testes Mas agora parece que o Governo se prepara para mudar a política de testes de que tanto se orgulhava. E logo na pior altura (quando as aulas vão começar) e pelos piores motivos: dinheiro.

2 Explicando. Se lermos o guia que a DGS preparou para o regresso às aulas escolas (inexplicavelmente, só foi apresentado a 11 dias do início das aulas), percebemos que o Governo quer aplicar, entre outras regras corretas, o princípio das aulas presenciais. Ou seja, as autoridades de saúde e as escolas devem fazer tudo para que as instituições de ensino se mantenham abertas e os alunos nas aulas.

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É um princípio correto pois o período do confinamento demonstrou que as aulas à distância além de terem uma eficácia mais reduzida do que as aulas presenciais, agravam muito significativamente as desigualdades sociais e afetam de forma estrutural o funcionamento do ‘elevador social’. Especialistas na matéria como o Alexandre Homem Cristo (Observador) ou Luís Aguiar Conraria (Expresso) evidenciaram isso mesmo até à exaustão.

Daí a DGS exigir que o encerramento do estabelecimento de ensino só possa ser ponderado pela Autoridade de Saúde Local depois de ouvir a direção-regional de saúde respetiva e a própria DGS e “em situações de elevado risco no estabelecimento ou na comunidade” (pág.13). Ou seja, é uma decisão que tem de ser tomada ao mais alto nível em termos técnicos.

Ora, se é esse o princípio, então o mantra do “testar, testar, testar” faz mais sentido do que nunca — até porque a OMS continua aconselhá-lo fortemente. Certo? Não, errado!

Porquê? Porque a DGS não quer aplicar essa política à comunidade escolar. Basta ler o manual para o regresso às aulas para concluirmos que não existe a obrigatoriedade de testes. Por exemplo, o que determina a DGS caso seja detetado um aluno infetado: os seus colegas de turma são automaticamente testados? Outros alunos, professores ou funcionários da escola que tenham tido contacto com o aluno infetado são automaticamente testados? A resposta é simples a todas as perguntas: não.

Só os contactos de alto risco — ou seja, aqueles que estiveram a menos de dois metros do aluno infetado — poderão ser testados por determinação do delegado de saúde. Sendo que essa é uma última opção. Antes dessa prevalece o isolamento dentro da escola, seguido do isolamento profilático.

Moral da história: o delegado de saúde local pode mandar uma turma ou várias turmas para casa durante 14 dias sem determinar que sejam feitos testes entre o 5.º e o 7.º dia a todos os alunos. Isto é, só apenas uma parte desses alunos pode ser testado (os casos de alto risco) mas todos são obrigados a ficar de quarentena. Uma medida errada porque além de impedir que alunos saudáveis possam regressar à escola, acaba por recusar as melhores e mais eficientes ferramentas científicas (os testes) que permitem isolar rapidamente os casos realmente positivos.

Do ponto de vista prático, esta opção implicará ‘condenar’ turmas inteiras (ou até todas as turmas do mesmo ano letivo que funcionam em ‘bolha’) a ficarem fechadas em casa durante uma boa parte do ano e até termos uma vacina. Ou seja, muitos alunos vão ser obrigados a ter ensino à distância com todas as consequências negativas que advém dessa prática.

3 Porque é que a DGS interrompe o mantra do “testar, testar, testar” tão defendido por António Costa durante o verão aquando dos problemas com os corredores aéreos com o Reino Unido e outros países?

A primeira explicação só pode ser uma: o custo financeiro de testar uma comunidade escolar avaliada em 1,6 milhões de alunos. Mesmo que só uma parte é que seja efetivamente testada, parece que o Governo pensa que é demasiado dinheiro. Mário Nogueira, presidente da Fenprof, tem defendido, e bem, que a comunidade escolar deveria ser testada antes do regresso às aulas e tem sido totalmente ignorado. E, desta vez, mal.

A pergunta que deixo aqui é simples: será que um investimento entre 100 milhões a 200 milhões de euros é demasiado para termos os alunos nas escolas, com os ganhos pedagógicos e até sociais e psicológicos que daí advém? Parece-me que não mas alguém no Governo ou na DGS está a fazer o papel do tio Patinhas quando a saúde e a educação das crianças é que deveriam ser a prioridade. Aplicar critérios economicistas num tema destes é vergonhoso.

Há outra hipótese: numa altura crucial como o regresso às aulas (e o regresso das férias e o fim do teletrabalho de muitas empresas), num contexto em que a média diária de casos positivos está a subir de forma sustentada (de 175 no início de agosto disparou para 356 casos na última semana) e em que uma segunda vaga já poderá ter chegado a Espanha — o Governo pode não querer que a subida inevitável de casos tenha evidência real estatística. Ou seja, pode querer ‘amaciar’ os números.

Seja uma situação, seja outra, uma coisa é certa: a realização de testes regulares, diários se for necessário, à comunidade escolar, é essencial para assegurar um regresso às aulas seguro e, acima de tudo, para aplicar com eficácia o princípio das aulas presenciais.

E termino com uma pergunta simples: por que razão a DGS obriga o setor do futebol profissional a testar com grande intensidade, de forma a verificar continuamente quem está infetado, e não o faz com a comunidade escolar — o coração e o futuro do país?

Mais uma incongruência de uma autoridade nacional de saúde cada vez mais descredibilizada e de um Governo que tem um primeiro-ministro que adora ‘sacudir a água do capote’ em vez de liderar o país.

E quem vai pagar isto tudo no final do dia, serão as crianças e os pais, claro.