Em meados de Março, e alheado de uma realidade que grassava desde o início do ano na China e depois em Itália, Portugal entrou num processo de confinamento em tempo recorde. Praticamente de um dia para o outro, aprendemos – tal como em tempo de guerra — que tudo aquilo que não podia ser deixado para amanhã, afinal podia. O tempo que a família reclamava e nos quais pensávamos a espaços, foi finalmente alcançado, não obstante o teletrabalho, a incerteza no futuro e o medo que suscitou esta nova normalidade. O País praticamente fechou as portas, na tentativa de conter o contágio. Acompanhando a tendência positivada na tempestade legislativa, a crise pandémica, no que à justiça respeita, trouxe consigo a suspensão generalizada dos prazos judiciais e o adiamento da esmagadora maioria das diligências judiciais.

A medida foi globalmente bem aceite pelos operadores judiciários, ficando, contudo, sempre a dúvida se tal seria efectivamente necessário, nomeadamente quanto aos prazos judiciais. Se é verdade que poderiam existir constrangimentos decorrentes da situação pandémica, relacionados primordialmente com a satisfação de necessidades familiares com filhos menores (agora em casa) ou com os contactos necessários com os clientes (sim, ainda existe um Portugal infoexcluído), é um facto que a utilização do Citius e do SITAF transformou os processos judiciais em verdadeiros processos electrónicos. Foi com base na utilização dessas ferramentas que algumas vozes se ouviram contra a suspensão dos prazos judiciais. Não se ignora que para esta crítica concorreu a mais das vezes uma preocupação – legítima e compreensível – atreita à própria sobrevivência de Advogados cuja actividade se centra mais no contencioso e menos em trabalhos de assessoria jurídica.

Esta questão também não foi de fácil resolução para o próprio legislador, no que tange à suspensão dos prazos judiciais, tendo sido revelada até uma pequena deriva quanto aos processos urgentes (em duas semanas, estiveram suspensos para logo voltarem a tramitar) ou em matérias de contratação pública, ao nível do procedimento e do contencioso pré-contratual, em que se verificou a necessidade de operar uma clarificação legislativa (através do artigo 7.º-A da Lei n.º  Lei n.º 1-A/2020, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020).

Ora, após cerca de dois meses e meio de paragem generalizada da actividade dos nossos tribunais em matéria de prazos e diligências (note-se, contudo, que neste período foram proferidas muitas decisões judicias), a justiça, à semelhança de outros sectores da sociedade portuguesa, vai entrar em processo de desconfinamento.

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Na verdade, a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, veio alterar as medidas excepcionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, estabelecendo um regime processual transitório e excepcional, aplicável às diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos Tribunais Judiciais, Tribunais Administrativos e Fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, Julgados de Paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.

A regra é que as diligências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem inquirição de testemunhas, devem realizar-se presencialmente e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela Direção-Geral de Saúde. Ficam reservados os meios de comunicação à distância quando a dita diligência não puder ser feita presencialmente e se for possível e adequado.

As demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos Mandatários ou de outros intervenientes processuais, bem como a prática de quaisquer outros actos processuais e procedimentais devem realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, ou, quando tal não seja possível, presencialmente.

A lei salvaguarda, no entanto, que quem seja maior de 70 anos, imunodeprimido ou portador de doença crónica não tem de se deslocar ao tribunal, devendo a diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância.

Ora, as limitações deste novo regime processual transitório, adequado à “nova normalidade”, deixam adivinhar inúmeros constrangimentos ao normal andamento dos processos judiciais e às diligências a realizar. E a tudo isto se soma a decisão do Governo de não emagrecer as férias judiciais.

Assim, na prática, a Lei n.º 16/2020 entra em vigor no dia 3 de Junho de 2020, voltando os prazos a ficar suspensos, como habitualmente, do dia 15 de Julho ao dia 1  de Setembro, o que sugere desde logo um estranho, e provavelmente pouco eficaz, regresso da justiça à normalidade.