São os princípios da ética republicana que forçam demissões de governantes por razões políticas. Seja por falha grave numa matéria fundamental, seja por ostentar um comportamento que é eticamente incompatível com esses princípios. É o sangue dessas demissões que confere vitalidade à República. Foi por isso que Andrew Griffiths se demitiu ontem – o ministro conservador britânico é casado e foi apanhado a enviar mensagens sexuais a várias mulheres. Foi por isso que Tatana Mala se demitiu há uma semana atrás – a então ministra da Justiça checa foi acusada de plágio académico e só esteve duas semanas em funções. Ou, ainda, foi por isso que Rositsa Dimitrova se demitiu no mês passado – a então governante búlgara comprou um bilhete de avião para Nova Iorque que custou 4500 euros ao erário público. E se estes são exemplos muito recentes, casos similares encontram-se em quase todos os países europeus ao longo dos últimos dois anos. Excessivo ou não, é assim que funciona nas democracias consolidadas: espera-se dos representantes políticos uma conduta que, para além do cumprimento da lei exigido a todos os cidadãos, seja idónea e lhes garanta autoridade moral para a condução dos assuntos da república.

Só que, em Portugal, não funciona assim. O ministro da Defesa pode mentir aos deputados e ao país, informando da recuperação de armamento roubado que, afinal, continua desaparecido – ninguém realmente se importa. A propósito de assalto à base de Tancos, o Presidente da República pode fazer apelos para esclarecimentos cabais e apuramento de responsabilidades – mas nada se esclarece e ninguém é responsabilizado. O ministro Adjunto pode admitir ter violado a lei, sabendo-se que tal violação implica perda de mandato, mas continua em funções. O mesmo ministro adjunto não se impede de gerir negócios de Estado aos quais tem ligações na sua vida profissional – e pouca gente dá por isso. Deputados e governantes abusam sistematicamente do seu estatuto para obter viagens e benefícios, como no Euro 2016, mas o pior que lhes acontece é ficarem nas discretas filas de trás das bancadas parlamentares. Outros, vereadores e autarcas, são investigados na operação Tutti Frutti por negociarem cargos entre partidos, abusando do erário público – e nenhum se explica, é posto em causa ou se demite.

Sim, o governo português é uma vergonha no (des)respeito pelos valores republicanos, mas também o são os vários partidos com representação parlamentar. O que leva à questão: o que explica que em Portugal reine esta impunidade? Será, por certo, uma soma de factores que aqui não é possível elencar. Mas vale a pena destacar alguns. Desde logo, um conjuntural – é mais fácil a um governo de esquerda aliado aos profissionais do protesto (PCP e BE) resistir à pressão do escrutínio público. Depois, dois factores estruturais. Por um lado, as instituições democráticas são fracas e não têm recursos nem força suficiente para fiscalizar ou impor condutas éticas, o que faz com que o escrutínio dependa excessivamente da imprensa. Por outro lado, os eleitores não penalizam os partidos e os políticos com base no seu comportamento ético, pelo que não compensa aos partidos dispensar os seus quadros com base nesse critério. O caso deste governo PS é particularmente exemplificativo. Qual é o incentivo de António Costa para demitir ministros e assim dar razão à contestação ao seu Governo se, nas sondagens, o PS está numa posição dominante que parece inabalável? Nenhum.

Urge reformar as instituições democráticas, para as fortalecer e posicionar na primeira fila do escrutínio político – será que algum partido terá a coragem de o propor no seu programa eleitoral? Mas é igualmente urgente que os partidos deixem de ser recompensados pelos atropelos à República, algo que depende das suas lideranças e dos eleitores. Num partido político, nada é mais levado a sério do que os votos – são estes que determinam lugares e poder. Ora, se os votos continuam a aparecer apesar do comportamento dos seus deputados e governantes, não há incentivo para a mudança. Os portugueses são os campeões da indignação contra os seus políticos, mas são também os principais culpados pelos políticos que têm: sem opções, votam neles, porque deles aceitam tudo e não esperam nada.

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