Se dermos crédito a todas as notícias, parece que, ao contrário dos roubos enquadrados nos “crimes violentos”, a corrupção, a “cunha” (tráfico de influências) e a contratação de “boys” (e “girls”) estarão a aumentar em Portugal. E talvez estejam mesmo. O que é mau.

O roubo violento, declarado e descarado, tem vindo, paulatinamente, a descer, nos últimos 20 anos, conforme “Relatório Anual de Segurança Interna 2021”.

Mas a corrupção, que é uma ameaça aos Estados de direito democrático, porque prejudica a fluidez das relações entre os cidadãos e a Administração, o desenvolvimento das economias e o normal funcionamento dos mercados, parece estar a aumentar ou, pelo menos, a não diminuir.

O Índice de Perceção da Corrupção de 2021, publicado recentemente pela Transparency International, aponta falhas no combate à corrupção em Portugal, nomeadamente na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção, por deixar de fora do seu âmbito os gabinetes dos principais órgãos políticos e de todos os órgãos de soberania. Portugal, com 62 pontos (0-muito corrupto; a 100-muito transparente), volta a igualar a posição registada em 2019 e continua abaixo dos valores médios da União Europeia e da Europa Ocidental. Um relatório recente do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), organismo dependente do Conselho da Europa, refere que Portugal deve “intensificar substancialmente” a sua resposta às recomendações pendentes do organismo, alertando que o país apenas cumpriu três das quinze sugestões anticorrupção e aponta o “insatisfatório” cumprimento da maioria das recomendações anticorrupção sobre políticos, juízes e procuradores em Portugal, admitindo apenas “pequenos progressos”.

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A corrupção “abala” um dos “Direitos Fundamentais”, consagrados na Constituição da República Portuguesa: o “Principio da Igualdade” (nº1 do art.º 13º). Sobre este direito assenta toda a organização do Estado e da sociedade dita democrática. E a sua prática é punível por lei, conforme as penas definidas pelo Código Penal Português.

Nesta matéria, a velha máxima de que “o exemplo vem de cima” afigura-se, hoje mais do que nunca, conforme série de escândalos desta natureza, recentemente divulgados, e que parece não ter fim à vista, perigosíssima!

A “cunha”, que também ameaça de igual forma o princípio da igualdade entre todos os cidadãos, está definida no código penal como “Tráfico de influência (artigo 335.º)” e pressupõe “… solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública…”. Portanto, este “costume” tão mundano de “dar uma palavrinha”, “fazer um telefonema” ou “meter uma cunha” é, alegadamente, crime. E, no menor dos males, é imoral. Distorce o mérito, o valor dado ao esforço individual e aos resultados alcançados. Corrói a confiança nas instituições e nas pessoas que as dirigem (e a confiança tem esta característica: depois de perdida dificilmente é recuperada…).

Finalmente, a nomeação de “boys”/“girls” (também esta expressão tenderá a desaparecer num mundo alegadamente moderno que tende à baralhação dos géneros), de qualquer idade (é igualmente mau nomear um adjunto de um Gabinete do Governo com 20 anos, sem currículo ou experiência, como um membro da Administração de um Hospital, sem competência ou mérito para o cargo!), que também “fere de morte” o mesmo princípio constitucional de igualdade, para além do valor da meritocracia, na qual assentam as sociedades democráticas e liberais atuais. Que sinal é dado à população em geral? Que o “cartão de militante” é melhor (seguramente mais fácil e mais barato será!) que uma licenciatura, mestrado ou doutoramento? Que ter uma “amiga” no Governo assegura sempre melhor salário do que 10 ou 20 anos de experiência profissional, de bom desempenho? Que dizer a um médico do SNS, a quem é solicitado um sacrifício constante para servir os cidadãos, fazer centenas de horas extraordinárias, quando percebe que ganha menos que um jovem adjunto de 20 anos ou uma secretária do Governo transmutada em “Especialista”? E a um professor com 20 anos de carreira ou deslocado 400 km? Que estímulo se dá a estes e a todos os demais funcionários públicos, abelhas-obreiras da mesma Administração Pública, perante estes exemplos? Mais uma vez, mesmo que eventualmente não seja crime, é imoral.

O roubo, a corrupção, a “cunha” e a nomeação de “boys” retiram dinheiro/valor dos seus merecedores proprietários ou destinatários, para entregar a outros, que pouco ou nada fizeram para o merecer. Para além disso, as três últimas situações têm, ainda, em comum: serem potencialmente causadores de perda de confiança nos políticos e nas instituições públicas; o eventual desinteresse pelo esforço e pelo trabalho que, afinal, não são devidamente recompensados; e a perda de riqueza de uma nação (porque retiram da esfera do Estado dinheiros públicos, que poderiam ser gastos em prol da população portuguesa, e que foram “desviados” dessa sua nobre missão, para entrar nos bolsos de alguns). Embora variem entre si na forma, modo e intensidade de o fazerem, o “cheiro” (que atualmente tresanda!) é o mesmo….

Sim, talvez a criminalidade violenta esteja a diminuir, mas é violentamente imoral praticar ou permitir tudo isto, num País que não é rico e que tem mais de 1 milhão de pobres!

E que não haja ilusões: um “boy” é um “boy”, tal como uma vaca é uma vaca. Não vale a pena tentar enfeitar o seu pescoço com uma gravata chique ou um badalo reluzente. Com ou sem a “cobertura” de uma maioria parlamentar, ficará sempre com aquele ar patético…