Depois de 18 dias desaparecida, a menina Cleo Smith foi encontrada pela polícia australiana. A família estava acampando quando a criança de 4 anos foi sequestrada de dentro da barraca no camping. Cleo foi encontrada em bom estado de saúde numa casa cerca de 70 quilómetros de distância do local onde a família estava. Um homem de 36 anos – descrito como solitário e colecionador de bonecas – é o principal suspeito da autoria do sequestro. Sob custódia da polícia australiana, o homem tentou se mutilar e teve que ser hospitalizado.

Essa história provoca horror em qualquer leitor. Mas ela certamente provoca um sentimento diferente naqueles que têm filhas, netas, sobrinhas ou qualquer menina na família. E isso não acontece por uma mera questão de identificação com esta história específica. Não é um mero espelho da história de Cleo. Isso acontece porque esse é o principal pavor de qualquer um que ame uma garotinha e pense nos risco que essa existência carrega diariamente.

Li essa notícia pouco depois de ouvir uma história de uma amiga sobre sua primeira viagem a Roma, com 19 anos de idade, quando ela e uma amiga tiveram que correr desesperadas pelas ruas da cidade, fugindo do segurança do bar onde estiveram que, acompanhado de outro homem, tentou fazer com que elas entrassem num carro desconhecido.

Hoje também reli um texto que dizia “quando uma mulher está andando sozinha na rua durante a noite e ouve passos atrás de si, o que ela mais deseja? Deseja virar e ver que é outra mulher”. E, sim, acho que essa é uma opinião quase unânime. Recentemente não tive coragem de explicar ao filho de um amigo, de 11 anos, o porquê da minha resposta a uma pergunta que ele fez. A pergunta foi “se você estiver andando numa floresta à noite, você prefere ser perseguida por uma pessoa ou um zombie?” (o foco dele estava no fato de que zombies são lentos). Eu, sem pensar duas vezes, disse que, se a pessoa desconhecida fosse um homem, eu preferiria o zombie. Ele não entendeu e eu não quis explicar. Não ainda.

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Tudo isso é uma pequena – muito pequena – amostra do medo diário com o qual vivem as mulheres. E não se trata apenas do medo dos sociopatas solitários que colecionam bonecas, mas de um medo muito mais amplo, de qualquer homem desconhecido – e, em muitos casos, de homens conhecidos também. É uma verdadeira prisão sobre a qual procuramos não pensar muito.

Quantas coisas deixamos de fazer ao longo da vida por conta desse medo? Quantas peças de roupas deixamos de usar? Quantas caminhadas noturnas evitamos? Quantos transportes coletivos não nos pareceram seguros? Quantas viagens tiveram que ser planejadas apenas na companhia de homens? Quantos passeios foram evitados, quantos trajetos foram inviabilizados, quantas ideias foram canceladas?

É triste. É exaustivo. É injusto. Cleo foi encontrada “bem”. Mas o que vamos chamar de “bem” nesse caso? É o simples fato de não estar morta ou ferida? É assim que devemos viver a vida? Nos considerando “no lucro” por não estarmos mortas nem feridas? Sinto ódio quando alguém me diz que o feminismo já não é tão necessário ou que as coisas já estão melhorando. Mulheres vivem apenas um percentual da vida real. Mulheres se consideram afortunadas se nunca foram vítimas de violência. Mulheres vivem com medo de ser uma Cleo – aos 4, aos 14, aos 34, aos 64 anos. Não importa. O medo não passa.