Aqui há 40 anos, comecei a ter barba, a vestir-me mais à “senhor” e a conduzir. Por essa altura, o porteiro do Estádio Universitário de Lisboa – o Sr. Neves – começou a tratar-me por Dr. Eu dizia-lhe: não Sr. Neves, não. Ok Sr. Eng.º, respondia ele. Também não replicava eu. Pode passar Sr. Arqtº insistia o bom do Neves. Já não fazia a tréplica.

Andando ainda uns anos mais para trás, o meu Pai cometia várias “barbaridades” ao nível da condução. Quando era mandado parar pela polícia, o meu Pai mostrava o cartão da Ordem dos Advogados e – acto reflectivo – o agente batia os calcanhares, fazia a continência e mandava o Sr. Dr. embora.

Tais eram os tempos. Se eras Dr. tinhas que ser importante.

Se eras filho da burguesia tinhas que ser Dr., desse lá por onde desse.

Estes dois sentimentos, eram a conclusão lógica de: a) Tirar um curso não estava ao alcance de muitos. b) Ter um curso, era efectivamente, uma mais-valia enorme, sob todos os pontos de vista.

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Quer o Sr. Neves, quer os polícias, reflectiam essas verdades.

Nos anos 80 apareceram as universidades privadas. Média de entrada? 9,5.

Com o aumento dos salários, as pessoas mais humildes sonharam para os seus filhos a pertença ao clube no qual não puderam (deixaram) entrar. O negócio das universidades tornou-se uma mina de ouro. Canudos de toda a ordem e feitio começaram a aparecer. Bons, maus, assim-assim. Para todos os gostos.

Ter um curso, significava entrada no clube. Todos os sacrifícios eram justificados.

Quem são, pois, estes “falsificadores” de currículos? São os filhos daqueles que viam a entrada no clube como o fim supremo, a ambição máxima. Que sonhavam em ver um polícia bater a continência ao filho. Não entendendo que quem estava errado era o polícia.

O elevador social é algo onde todos têm o direito de poder entrar. Mas o Estado deve perceber que dar oportunidades não passa por baixar a fasquia. Pelo contrário. Tem é de manter a exigência elevada e dar aos que não têm condições económicas – mas inteligência e vontade de trabalhar – a possibilidade de estudar. E de estudar nos melhores colégios e Universidades. Cá e lá fora. E precisa de ter a coragem política para fiscalizar – como deve ser – essas Universidades de “vão de escada” que continuam a criar ilusões aqueles que, com um canudo na mão, estão convencidos que é entrada garantida no clube. Não é. As regras de admissão adaptaram-se aos tempos.

A par da licenciatura – e de um banalizado mestrado – a valorização passa agora pelos livros que lemos, os filmes que vemos, a forma como escrevemos e oralizamos. O mundo que temos.

Ter Dr. no cartão de crédito deixou de ter importância. Os novos polícias não deixam passar os doutores sem os autuar e os novos “Neves” querem lá saber de quem o menino é filho. E ainda bem.