Um périplo pelos géneros teatrais abre portas a ideias para o desenvolvimento de talento. E o desenvolvimento de talento, para além da sua retenção, preocupa empresas e empregadores. Obviamente escolas de executivos ou, indo mais além, todos quantos se preocupam e colocam na agenda pedagógica e de alavancagem de pessoas as artes cénicas. Ao percorrer alguns géneros apontam-se ideias e perigos. Muito se pode fazer. Muito talvez não se deva fazer. Mas, quando a palavra do dia é desenvolver talento, a criatividade é chave. Vamos a isso?

Auto – Apanhei alguns (poucos) professores que satirizavam. E bem. Qual Idade Média. Não como no Auto da Barca do Inferno mas, em todo o caso, faziam sátira interessante. Apanhei outros que, ao satirizarem, se diminuam a eles próprios pois desconheciam quer a noção do ridículo quer o quanto essa sátira os diminuía enquanto pessoas. Nas suas costas…Não é o tipo de teatro a que ache mais graça ou mesmo adequação, quer em sala quer fora dela. Muito menos com redondilhos. Apesar de ser uma vertente dramática, dispenso-a.

Outra coisa será, porém, passar o ónus do auto a um grupo de pessoas que, preparando-se, devem apresentá-lo como forma de exposição perante o escrutínio externo. Participantes de um programa de formação, por exemplo, onde se pede o melhor para desenvolver a sátira inteligente.

Teatro de fantoches – pode-se pedir espontaneidade a alunos para trabalharem um sketch quase sem preparação, fazendo uso de marionetas. Isto obriga-os a pensar sobre o que dizer, a adotar uma postura pró-ativa e de construção, a criar a partir do nada. Apenas o tópico a explorar e o fantoche. O resto….um output pedido. Que bom é perceber o quanto são capazes de construir com estas armas. Poucas mas que criam entrosamento, que permitem partilha, alinhamento e construção de um output conjunto. A espontaneidade é a palavra chave.

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Comédia – Apanhei alguns professores bons em artes cénicas de humor. Identifico-me muito com o género. E o que acho que melhor se pode fazer, nesta matéria, é o humor connosco próprios, professores. Usar a pessoa comum, para o entretenimento, acaba por permitir contar uma história com sentido. Ou que procure fazer sentido. Mas não é fácil. Nada fácil. E requer treino. São muitas horas de tentativa e erro. Mas o resultado, na mensagem, pode ser fantástico.

Interessante, também, é passar o ónus a um grupo ou a indivíduos que sejam capazes de preparar e entregar uma comédia para poderem ser escrutinados relativamente à criatividade, espírito de equipa e capacidade de impactar outros. O riso é o melhor payback deste processo.

Teatro de sombras – interessantíssimo para estimular a linguagem corporal. “Podem contar-nos uma história entendível apenas com o corpo e por detrás de uma chinese wall?” Do lado de cá, os espetadores terão de fazer o debrief do que viram. E o protagonista terá de explicar-se à posteriori, havendo ou não fit entre mensagens. O professor, o mentor ou quem siga esta linha de raciocínio pode concluir com ideias muito interessantes e insights riquíssimos, podendo passar à prática, em formação, e criando um contexto de desenvolvimento muito particular em termos de expressões corporais. Não precisa de preparação. Apenas imaginação e desenvoltura corporal. Um brief inicial sobre a ideia a comunicar, uma performance não preparada, um match possível entre quem faz e quem vê. Fantástico para promover o trabalho posicional e a expressão corporal.

Drama – Tudo na aula – mais ou menos convencional – é um drama se passarmos ao significado puro da palavra grega antiga: ação. Porque a aula tem tudo a ver com ação. E energia para essa ação. Quanto maior for a energia depositada mais benefícios se colhem na passagem da mensagem. E na capacidade de captação da audiência para a importância da mensagem. Porém, à medida que os anos avançam, a energia perde-se. Ganha-se experiência que, não obstante, não substitui a energia. Fica sempre a faltar qualquer coisa e, pior que isso, quem anda nesta vida de professor sabe-o bem: ao faltar energia falta, normalmente, emoção, fundamental para uma aula e a correspondente conexão com quem connosco partilha o teatro de operações.

Outra hipótese é colocar um grupo a dramatizar e a medir impacto em quem avalia. Muito interessante na descoberta e desenvolvimento de personalidade, por exemplo, e no convívio com a necessidade de trazer energia e ação para a abordagem. A linguagem corporal e a colocação da voz são fundamentais.

Monólogo – a maior parte das aulas que tive na vida foram monólogos. São aulas longas, por pessoa única, unidirecionais. É um “mono” e não um “logos” pelo que a aula é para ser dada de A a Z. Contada. Mas muitas vezes despejada. A maior parte dos professores que fazem monólogos perdem a turma na totalidade. Aqueles que não perdem a turma são os absolutamente brilhantes e que, sem interação, mantêm-nos presos do princípio ao fim. Chegam dois dedos de uma mão para contar os que passaram por mim e que, em monólogo, me deixaram preso. Não sou, pessoalmente, um adepto. Talvez porque não tenha o brilhantismo para o fazer.

Stand-up comedy – um espetáculo de humor por apenas um comediante. Neste caso o professor. Não há grande encenação, ou nenhuma. Este é um estilo que, bem feito, aqui e além, em aula, ajuda a passar mensagens importantes. Recorrendo ao humor sem máscaras precisa de um extremo cuidado no uso. Uma piada bem contada pode fazer a diferença numa sala de aula. Mas o melhor humor, o melhor de todos, é, minha opinião, aquele que o professor faz consigo próprio. E é o mais inteligente também. A adaptação à plateia é fundamental pelo que se resumem, no professor e por momentos, os papéis de escritor, editor, promotor, artista, produtor e técnico de tudo ou quase tudo. Um género de teatro a não perder de vista.

Passá-lo como trabalho para alguém desenvolver, por exemplo um executivo que possa ser observável, é notoriamente um projeto de interesse. Permite avaliar descontração, nível de humor, até características de liderança. Muito eficaz no aperfeiçoamento de talentos.

Tragédia – não é mais que uma forma de drama. Tem uma dignidade e uma seriedade próprias associadas. Funciona em certas circunstâncias. Contidas. Envolve o personagem com o poder de uma instância superior, com a lei, os deuses, a sociedade, o destino. Pode resultar se contido.  Ou pode resultar como teste a um grupo para que prepare e se exponha. Permite alguns insights de avaliação.

Tragicomédia – tragédia com comédia em doses híbridas. Próprio de peças e filmes. É muitas vezes o real com o imaginário. É uma espécie de passagem da vida quotidiana, absurda, para uma vida efabulada. Ou um cenário carregado, denso, acompanhado de algo risível, em simultâneo. Não por redução ao absurdo mas, antes, por uso de temas como a violência, a morte ou o roubo como elementos fortes para transportarem a mensagem entre momentos pesados e momentos leves. Interessante em algumas circunstâncias.

Teatro invisível – onde apenas os atores sabem que há encenação. Confrontando públicos vários que não se apercebam de que existe ou estão a presenciar algo estranho e diferente, porém pré-encenado, pode ser uma via para a representação imprevisível. Os públicos confrontados avaliam a performance na hora, coisa curta, ao aderirem ou, pelo menos, pararem e serem, espera-se positivamente, surpreendidos por ela. Os flash mobs caem nesta categoria. Bom, caindo nesta categoria, também, e porque não, a improvisação preparada de uma aula. Qual o contexto? Em que ambiente? Tudo pode ser possível. E parece-me claramente possível como formato inovador.

Imagine-se a pegar num megafone, numa estação de metro de Lisboa, e, num flip chart, colocar duas os três palavras, começando a falar sobre elas, interpelando pessoas para os seus significados. Com elas podem vir pequeníssimos teatros que tenham mensagem e conclusão rápida. Em formação de executivos, ao expor executivos a teatros invisíveis, podemos aperceber-nos de muita da sua tolerância e muito da sua capacidade para serem confrontados com o imponderável. E a palavra de ordem é preparar pessoas, indivíduos, para essa imprevisibilidade.

Teatro de rua – A especialização do professor em ambientes diversos deve ser uma realidade. Porque não na rua? Já dei aulas, fora de portas, pelo que não me parece complexo. A testar em conjunto com o teatro invisível. Podem convergir para o mesmo género e fim. Em formação de executivos dá origem a muito do que se conhece em outdoor. Bom para trabalhar várias competências, quer a nível individual quer a nível grupal.

Professor Catedrático – ISCTE-IUL; Presidente INDEG – ISCTE Executive Education