O Mundo é um sítio complicado. Por forma a navegar na complexidade, os seres humanos, na sua individualidade ou colectividade, criam modelos para a representar e a descrever de uma forma mais simples e inteligível. A compreensão é, também, um exercício de simplificação. Falo-vos dos estereótipos, das generalizações, das normas sociais, das tradições, das associações de coisas distintas. Assim, para nos fazermos entender, recorremos a estes mecanismos para que a comunicação se torne eficaz e universal, e quiçá até possível. Poderá a simplificação, no entanto, ser por vezes em demasia?

Falemos em termos concretos. Se, ao descrevermos um determinado modelo dum fabricante automóvel, lhe colocarmos o rótulo de “desportivo”, com apenas uma palavra conseguimos esclarecer o recetor desta mensagem de muitos atributos relativamente ao carro: será potente, de reduzida altura, caro, provavelmente apenas de dois lugares, rápido, gastador e de design vistoso. A interação da espécie humana com veículos levou-a a condensar atributos que tipicamente andam de par a par e classificá-los em categorias de rápida compreensão: “utilitário”, “todo-o-terreno”, “familiar”. Este tipo de abstracção é útil também para tomarmos decisões – se num momento da nossa vida estamos necessitados dum veículo, poderemos estar indecisos no modelo, mas saberemos à partida que categoria de carro queremos ter.

As empresas também se servem deste tipo de exercício, por exemplo, para definir a sua tática comercial, especialmente num contexto B2C (venda ao consumidor). Seria impensável para uma empresa com centenas de milhares de clientes desenhar linhas mestre de ação de marketing para cada um deles. Assim, os clientes são tipicamente segmentados em grupos, novamente, de acordo com os seus atributos: Há quanto tempo é cliente? Quanto gasta em média por mês? Que tipo de produtos consome? Que canal utiliza (online, loja física)? Género, idade, morada? Na maior parte dos casos, os clientes formam naturalmente “clusters” ou categorias e sobre as quais a empresa pode decidir com bastante eficácia.

Estes modelos mentais podem aplicar-se a objetos, como carros, ou pessoas, mas também a conceitos e ideias. O mais marcante exemplo disso é o omnipresente espectro político, o rolo compressor “esquerda-direita”. Herdámos este enquadramento simplista da revolução francesa de 1789, quando os membros da Assembleia Nacional se dividiram entre aqueles que apoiavam o rei, sentando-se à direita do presidente, e os apoiantes da revolução, que se colocaram à sua esquerda. Na posterior Assembleia Legislativa de 1791, composta inteiramente por novos deputados, os moderados sentaram-se ao centro, os acérrimos defensores da Constituição à direita, e os progressistas à esquerda. Utilizados inicialmente como termos pejorativos, os rótulos de esquerda e direita mantiveram-se vivos no início do século XX, separando socialistas e reacionários, republicanos e conservadores. A própria política americana, poderosíssima influenciadora cultural até aos dias de hoje, reforça este espectro bipolar com o seu caráter teimosamente bipartidário.

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Chegados aqui, o discurso permanece inundado por estes dois simples termos, que tudo agregam e tudo rotulam. À esquerda associam-se as ideias da igualdade, fraternidade, progresso, internacionalismo, liberdades individuais, reforma e planeamento. A direita, por outro lado, congrega os valores da autoridade, hierarquia, ordem, iniciativa privada, dever, tradição e patriotismo. Mas será verdadeiramente justo comprimir uma pletora de posições políticas num eixo unidireccional?

Voltemos aos carros e à teoria. Se tentássemos mapear todos as marcas e modelos em coordenadas cartesianas acabaríamos por ter algo incompreensível para a mente humana, pois necessitaríamos dum eixo para cada atributo a descrever e, como sabemos, o nosso cérebro não consegue conceber mais do que três dimensões espaciais. Por sorte, a maioria dos atributos são correlacionados: um carro potente também gasta muito, tem alta cilindrada, é caro, rápido e tem mais de 5 mudanças. É a correlação natural entre atributos que nos permite fazer um exercício de redução de dimensionalidade e perceber quais os atributos que ditam com boa fiabilidade a maior parte dos outros. No mundo da Data Science, esta técnica é conhecida como Análise de Componentes Principais (em inglês, Principal Component Analysis, ou PCA) e permite representar com poucos atributos – em particular, aqueles que carregam consigo o maior significado – toda a população que queremos descrever.

O argumento deste artigo é que, em política, este exercício foi levado ao extremo, também por força do cariz unidireccional das câmaras parlamentares (os hemiciclos), estando agora o eixo esquerda-direita desadequado para representar o panorama político nacional e internacional, enviesando inevitavelmente o conteúdo mediático e manipulando a incauta opinião pública. Em Portugal, o aparecimento de novas forças políticas como a Iniciativa Liberal vem desconstruir este modelo. Ser apelidada de fascista pela esquerda e de bloquista pela direita mostra bem o romper com o eixo tradicional e o quão longe está de ambas. Liberal em toda a linha, a IL não se encaixa na direita tradicional, já que acredita que a moralidade não se legisla e cada qual deve agir segundo a sua consciência sem interferir na liberdade dos demais. Não será também de esquerda, rejeitando o planeamento central e a estatização da economia, afirmando que a prossecução da felicidade é impossível sem iniciativa e propriedade privada. Não será tampouco uma interpolação entre quaisquer outras forças políticas, apresentando uma proposta verdadeiramente nova e alternativa aos estatismos e populismos de todos os espectros.

Longe de serem perfeitas, há outras frameworks conceptuais de que nos podemos servir para descrever posicionamento político duma pessoa ou dum partido. Este trabalho foi iniciado na década de 50 por Leonard Ferguson e Hans Eysenck que, usando várias escalas para medir as atitudes face a questões económicas, sociais e fraturantes, classificaram os valores políticos em dois eixos. As abordagens mais modernas são o Nolan Chart desenvolvido por David Nolan (um libertário, certamente desconfortável com a obrigação de se posicionar dum lado ou de outro) e a Political Compass de Wayne Brittenden, muito popular na cultura dos memes e, pessoalmente, a minha favorita, que acrescenta ao eixo direita/esquerda (liberdade económica) uma dimensão autoritária/libertária (liberdade social), providenciando uma classificação infinitamente mais completa. A bem da honestidade política, seria bom romper com a clausura mental do espectro esquerda-direita e habituarmo-nos a comunicar num patamar acima, com maior aderência à realidade e que transporte consigo mais significado.

E tu, és de Direita ou de Esquerda? Eu sou Liberal.