A pergunta da nossa geração é: onde estavas no 11 de Setembro? Eu estava no supermercado. Tinha aproveitado o intervalo do almoço no trabalho para ir buscar o que me faltava na dispensa, e quando dei por mim estavam os sacos no chão e eu colada à televisão de uma loja de eletrodomésticos. Eu e uma pequena multidão: uns em profundo silêncio, outros a dar opiniões atrás de opiniões, todas elas atabalhoadas. Olhando para trás, vejo um grupo de pessoas desconhecidas a tentar encontrar respostas para aquilo que intuíam que era uma realidade completamente nova.

Nos anos que se seguiram tentámos estudar o terrorismo de todas a maneiras que conseguimos. Uns concentraram-se nas falhas dos serviços de informação, outros estudaram as ligações entre operacionais terroristas, outros debruçaram-se sobre as fraquezas dos vários modelos de multiculturalismo, outros sobre a radicalização violenta das sociedades europeias. Ainda que chegassem notícias de que a Al Qaeda também atacava no Médio Oriente e na Ásia, especialmente em estados muçulmanos moderados, ninguém prestou muita atenção ao assunto.

Há dois anos e meio, o ataque ao jornal satírico francês tornou-nos a todos “Charlie”. E, desde aí, os países europeus, especialmente a França e o Reino Unido, foram vítimas repetidas de ataques. Cada vez que isso acontece, as televisões enchem-se de feridos, ambulâncias e carros de bombeiros filmados por telemóveis (uma vez que as autoridades tentam, e bem, não mostrar imagens). Seguem-se discursos cada vez mais duros dos chefes de estado dos países visados. Nos dias a seguir, chovem nos jornais e nas redes sociais as histórias de vida das vítimas. Vemos as fotografias de quando eram felizes e ficamos a saber dos sonhos que tinham e ficaram por concretizar. Não me entendam mal. Eu também fui (e sou) Charlie. Também penso que o terrorismo no Ocidente tem qualquer coisa de específico, relacionado com a nossa forma de vida. E também concordo que há muito trabalho interno a fazer para fazer decrescer o risco dos ataques.

Mas não é tudo. Deixem-me cometer a impertinência de vos lembrar que o terrorismo não é só nosso. Desde o início deste ano terá havido mais de 500 ataques – e basta fazer contas simples para chegar à conclusão que a esmagadora maioria desses ataques não foi em solo europeu nem americano. No final do mês passado, o Daesh tomou uma cidade nas Filipinas. Esta semana, houve ataques em Bagdade, Cabul e Teerão. Todos reclamados pelo mesmo grupo jihadista, o mesmo que não deixa a Europa em paz.

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É certo que a “lei da proximidade” – que nos leva a ter maior interesse e compaixão com os que nos estão mais próximos – acaba por levar a melhor quer nos diversos meios de comunicação social, quer na escolha das leituras que fazemos. Mas também é certo que, se estamos preparados para aceitar que o terrorismo é um fenómeno global no que respeita aos atacantes, estamos muito menos preparados para ver o terrorismo como um fenómeno global no que respeita às vítimas.

Como muitos fenómenos importantes do século XXI, o terrorismo é um fenómeno global com características locais. Mas introduzir a multinacionalidade e a multietnicidade das vítimas tem implicações políticas profundas, incluindo uma mudança de discurso político. Seria preciso continuar a realçar as vulnerabilidades das sociedades democráticas (ou seja, a característica local), mas ao mesmo tempo enquadrar os ataques europeus num panorama mais vasto em que Europeus e Americanos nem são as vítimas principais (a vertente global).

Mas até hoje, isso ainda está por acontecer. Porque ninguém ganha eleições sem um discurso forte e defesa do seu país contra o terrorismo; porque as opiniões públicas ocidentais se habituaram a ver o terrorismo como um ataque (apenas) à sua forma de vida; e porque os países vítimas de terrorismo continuam de candeias às avessas. E quem ganha é o Daesh que aproveita as divisões locais para fazer mais vítimas e conquistar mais território.

Soluções? Não são fáceis. Mas é necessário renovar a reflexão sobre o terrorismo atual. Talvez mudarmos a perspetiva da análise seja um fraco começo. Mas é um começo, mesmo assim.