Portugal acordou num destes dias da semana que passou com a notícia de que teríamos um terrorista entre nós. Um sádico criminoso, ex-ante, que iria matar e destruir estudantes e faculdades. Um monstro. Magnífico trabalho de inteligência e ação da PJ que apanhou o culpado em flagrante delito de planeamento.

Soube-se que a cooperação entre Estados funcionou e os nossos aliados dos EUA forneceram os indícios que a PJ de Portugal pôde seguir. Bom trabalho policial. Estamos seguros. Ficou demonstrada a mentira dos que insistem afirmar que o Estado PS é desleixado e indiferente para com a segurança dos que aqui vivem. Podem vir refugiados em barcaças, desembarcar ISIS e Al Qaedas nas praias do Algarve, porque serão sempre apanhados. Em breve deixará de haver tráfico de estupefacientes nas nossas urbes. Os bandidos suburbanos estão vigiados. O Dr. Rendeiro vem a caminho. Durmamos em paz.

O terrorista a quem não pouparam a dignidade da privacidade, criminoso ex-ante, profilaticamente aprisionado, teve o seu nome divulgado, foi sujeito a todas as devassas de sigilo e até família e vizinhos, certamente culpados por associação, foram identificados e entrevistados, não sei se filmados ou fotografados. Pois não é sabido, desde há séculos, que a zona da Batalha é um berço de fanáticos religiosos que só não são muçulmanos por que a Nossa Senhora, estrategicamente aterrada em Fátima, em 1917, o veio impedir?

Só que o alegado terrorista não tem afiliação conhecida a nenhum grupo extremista, não parece perfilhar alguma ideologia política que esteja em luta contra o ocidente cristão, não é Russo da Crimeia nem Cossaco do Don, nada parece ter contra a NATO, ao invés do BE e do PCP, não estará ligado a descendentes do Sr. Pablo Escobar, não tem CV que o aproxime do Chacal, por sinal o Venezuelano mais famoso no antanho, não se sabe se professa religião ofendida, está por averiguar se tem ligações a Curdos, Sahauris, Tamils, Tuaregues, enfim, a algum dos grupos nacionais que tem razão de queixa de alguma coisa, enfim, nada, nada, nada.

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Exceto tudo indicar que estaremos em presença de alguém com muito provável e séria perturbação mental, um doente, ainda por apurar se é um sociopata imputável ou um psicótico inimputável. Para já, por algum momento de bom senso que se sobrepôs ao espalhafato mediático que a PJ provocou, lá o levaram para a Hospital de Caxias onde será devidamente avaliado por profissionais médicos competentes para isso.

Tenho defendido e já o escrevi neste jornal que há pessoas, com gravíssimas perturbações da personalidade, certamente imputáveis, sociopatas sem remorsos, a quem as penas máximas previstas em Portugal para os crimes que possam cometer, em especial contra pessoas, são demasiado brandas e perigosas para a sociedade. Há pessoas que, lamentavelmente e muitas vezes sem que disso tenham culpa, não podem viver em liberdade plena. Mas será uma destas pessoas o “terrorista” há dias apreendido? Não sabemos.

Ainda bem que a PJ trabalhou bem, como quase sempre trabalha, e evitou uma possível tragédia. Mas nada me pode convencer da bondade de terem já condenado o provável perpetrador à prisão perpétua, a tal que só os “malandros” do Chega defendem, à perpetuidade, repito, do estigma e opróbrio a que doravante será votado. E se for mesmo um psicótico, mais um que escapa na rede do nosso SNS ou um primeiro surto de que ninguém se apercebeu? Se for um doente tratável e que noutras condições poderia voltar a sonhar com uma vida normal? Como poderá viver esta pessoa que classificamos como “terrorista”, sem que eu discorde da tipificação do crime possivelmente tentado, se um dia estiver com juízo recuperado e olhar para tudo isto como um momento em que ouvia “demónios” que lhe ditavam ordens ou sentimentos negativos que o impeliam a acabar com “tudo” e quiser viver, reconstruir a sua mente, seguir em frente como qualquer um de nós? Se afinal o terrorista for “só” um doente, um inimputável?

Nós devemos perdoá-lo, mas será que nos poderemos perdoar do mal que já lhe fizemos?

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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