1 Daniel Oliveira resolveu brindar-me na última semana com duas referências na sua coluna no Expresso — sendo que a última até ganhou honras na edição de papel do jornal mais influente do país. Num artigo intitulado “Bater em mortos” (a inspiração cristã é evidente, visto que os “mortos” são Ricardo Salgado e António Mexia), Daniel Oliveira resolveu analisar um comentário que eu e José Gomes Ferreira (diretor-adjunto da SIC) fizemos na “Jornal das 22h” do dia 14 de julho sobre o caso EDP e a antecipação a acusação do caso Universo Espírito Santo — pode ver aqui e aqui.

Parece que Oliveira ficou melindrado com afirmação de Gomes Ferreira de que o juiz Carlos Alexandre estava a ser criticado por muitos comentadores porque “havia agências de comunicação e advogados de defesa a fazer o seu trabalho” (citação do texto de Oliveira que, sabe-se lá porquê, resolveu enfiar a carapuça). Já este jornalista que vos escreve disse, no resumo de Oliveira, o seguinte: “porque criticam Carlos Alexandre e nunca Ivo Rosa”?. Aparentemente, o cronista não gostou desta frase factual.

Oliveira não ouviu a parte de que me estava a referir apenas e só aos advogados de defesa dos diversos casos que têm Carlos Alexandre como juiz de instrução. Mas isso agora não interessa nada porque um cronista tão brilhante não se prende com pormenores — ou factos. Eis o ponto de ataque: “as críticas que faço a Carlos Alexandre são ditadas pelo escrutínio a qualquer poder. Estou livre para o fazer porque, não investigando estes casos como Luís Rosa investiga, não criei relações de dependência com ninguém. Se investigasse, teria de gerir a relação com juiz, MP e advogados de defesa. Porque o jornalismo cruza fontes. Não depende apenas de uma, tomando as suas dores e atirando sobre os restantes”, escreveu.

2 Não sei se o caro leitor leu o artigo de Daniel Oliveira, mas se não leu, leia. Além de descobrir que Oliveira gosta de citar os seus próprios textos (algo só permitido às mentes superiores), passa a saber que o cronista é um homem tão corajoso, tão corajoso que praticamente foi o único português vivo que ousou criticar Ricardo Salgado quando ninguém o fazia. Mais: o nosso cronista desconfiou logo no início do Governo Sócrates que havia qualquer coisa estranha na relação do ministro Manuel Pinho com o seu ex-patrão Ricardo Salgado — uma dedução que só alguém visionário poderia antecipar.

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É pena que não tenha usado tamanha coragem e clarividência na crítica que me dirigiu. Na prática, e sendo mais claro do que as insinuações que preferiu escrever, o cronista acusou-me de querer agradar às minhas fontes quando faço análise e comentário. Mais: Oliveira insinua (lembra-se da coragem do cronista?) que tenho “relações de dependência” com “juiz, MP e advogados de defesa”. E porquê? Como é que o nosso cronista chega a tão brilhante conclusão (mais uma!)? Simples:

  • Porque sou um “jornalista de investigação” — coisa que Oliveira poderia ter sido, devido às suas incríveis capacidades de dedução (lembra-se daquele ‘feeling’ espetacular sobre Pinho e Salgado?), mas não é.
  • Porque o “jornalismo cruza fontes” — um conhecimento que lhe deve ter ficado das aulas de jornalismo.
  • Logo, o jornalismo “não depende apenas de uma [fonte] tomando as suas dores e atirando sobre as restantes”. Percebeu o trocadilho do corajoso e sempre afirmativo cronista? Eu descodifico porque o cronista gosta de escrever em código: está acusar-me de ser parcial nos meus artigos. Esperemos que não tenha escrito em código quando ousou criticar o dr. Salgado. Desconfio que, na altura, ninguém o percebeu. Uma verdadeira injustiça!

3 Sarcasmos à parte, vou ser o mais claro possível. A tese de Daniel Oliveira de que um jornalista não pode fazer comentário sobre uma área que acompanha (porque cria “relações de dependência” com as fontes) é ridícula. Se a tese fosse aplicada, então um jornalista de política não podia fazer comentário político, um jornalista de economia não podia comentar assuntos económicos e assim sucessivamente.

Os jornalistas especializam-se em áreas, desenvolvem o seu know-how e ganham conhecimento. Obviamente através do contacto com fontes mas também através da sua capacidade de estudo dos temas que acompanham. Fui isso que fiz, apostando no jornalismo de investigação e no jornalismo judiciário. Como muitos colegas fizeram antes de mim nestas e noutras áreas.

Só para falar da SIC, é devido a essa especialização que ouvimos Ricardo Costa ou David Dinis comentar política (e outros temas) e João Vieira Pereira ou José Gomes Ferreira falarem de economia (e outros temas). Porquê? Porque são jornalistas credíveis que conhecem muito bem as áreas em que se especializaram — e têm boas fontes nas mesmas. Se aplicássemos a doutrina Oliveira, nenhum destes jornalistas poderia comentar a sua área de especialização. Uma tese infantil, já se vê.

4 Compreende-se o seu objetivo: quer posicionar-se como alguém independente. Mais do que independente, estamos a falar de um cronista puro. Vejam só: ele nem conhece as pessoas sobre as quais escreve. Mais puro do que isso não há!

O problema de Daniel Oliveira é um (entre outros): de puro não tem nada.

Oliveira é um ator político desde sempre. Foi militante da Juventude Comunista Portuguesa, foi fundador, dirigente e assessor do Bloco de Esquerda e esteve envolvido na candidatura do partido Livre nas legislativas de 2015. Oliveira é um político que gosta de se apresentar como jornalista.

O cronista segue aquela velha tradição dos jornalistas radicalizados que se envolvem em atividades políticas, em nome de um suposto exercício de cidadania, ao mesmo tempo que trabalham nas redações (ou fazem comentário). Obviamente que tais exercícios só são admitidos aos jornalistas “puros” e “bons” — os que apoiam o PCP, o Bloco de Esquerda, o Livre e o PS. E obviamente que não passa pela cabeça do genial cronista e dos seus compagnons de route o óbvio conflito de interesses. Jornalista que é jornalista quer-se de esquerda e a lutar pelo bem do povo com a ponta da sua caneta!

5O mais interessante do artigo do cronista, contudo, é a atenção (e o pormenor) que dedica às minhas fontes. Não deixa de ser interessante que um cronista que se apresenta como jornalista, se interesse tanto pelas fontes de informação de um outro jornalista.

Não é de agora, refira-se. O cronista é conhecido por ser um profundo e ortodoxo defensor do segredo de justiça — ao nível do dr. Daniel Proença de Carvalho e dos seus discípulos no jornalismo. Ainda me lembro de ouvi-lo a criticar várias vezes com aquela sua posse de mad dog os malvados jornalistas que ousavam escrever sobre processos em segredo de justiça, nomeadamente sobre a Operação Marquês. Até me recordo dos sucessivos ataques que o cronista dirigia aos procuradores que investigavam o caso e de como aqueles eram, na cabeça de Oliveira, as “óbvias” fontes dos jornalistas.. Tal como não me esqueci do balde que o cronista (e os seus colegas de má-língua) tiveram de meter na cabeça quando saiu a acusação da Operação Marquês.

Não sei onde o cronista estudou jornalismo, mas o segredo profissional é algo sagrado para quem é de facto jornalista. É uma obrigação deontológica e é defendido pela lei — por ser essencial para o escrutínio dos poderes públicos. E não é suposto alguém andar a vasculhar as fontes dos jornalistas — e muito menos os seus colegas.

6 Sobre a fixação de Daniel Oliveira com Carlos Alexandre, devo dizer que a mesma nem me aquece nem arrefece. O juiz Alexandre, tal como o juiz Ivo Rosa, está sujeito ao escrutínio e à crítica, como qualquer outro titular de cargo público.

Para ser direto: estou-me nas tintas para guerras pessoais e para a fulanização excessiva que existe neste momento entre Carlos Alexandre e Ivo Rosa. Nem um é super juiz, nem o outro é um santo que só se limita a defender os direitos dos arguidos. Os dois podem e devem ser escrutinados da mesma forma por todos os jornalistas.

Não só rejeito qualquer endeusamento seja de quem for, como combaterei qualquer forma de República de Juízes, como escrevi aqui, ou um controlo da Justiça pode parte do Poder Executivo. O que desejo é que os checks and balances da democracia funcionem e que o Poder Político e o Poder Judicial se equivalham e se escrutinem um ao outro. A boa saúde de uma República depende sempre do equilíbrio entre os diferentes poderes.

Uma coisa é certa: vou continuar a fazer o meu trabalho, investigando, pesquisando, cruzando e noticiando toda a informação relevante no Observador. Tal como continuarei a analisar, comentar, explicar, descodificar e traduzir os mecanismos da Justiça na Rádio Observador e nos restantes meios que entendam convidar-me. Fá-lo-ei com o mesmo de rigor e independência de sempre porque só falo e comento assuntos que domine. A independência deriva do estudo e do saber — e não das generalidades ocas dos tudólogos.

E esse é o problema dos tudólogos: falam sobre tudo mas não dizem nem dominam nada.

Texto alterado às 11h45m e corrigido às 12h39m