O setor do turismo arrisca-se a passar ao lado do envelope de financiamento que Bruxelas irá fazer chegar a Portugal para o período 2021 a 2027. Portugal precisa de se preparar com cuidado e com uma estratégia bem definida para este desafio. E parece que muito há ainda a fazer. Não nos podemos esquecer que o turismo foi o setor que mais contribuiu para tirar Portugal da crise de 2010-2014, que inclusivamente conduziu o país a um resgate por parte do FMI e à vinda da Troika para Portugal.

O turismo será, certamente, um dos sectores que mais irá puxar Portugal para sair desta crise causada pela pandemia. Quando as restrições à circulação de pessoas forem levantadas, vamos voltar em força à ribalta do turismo mundial e voltaremos a receber muitos turistas. No entanto, precisamos de uma estratégia bem definida para podermos beneficiar plenamente dos financiamentos que aí vêm e não voltar a repetir os erros anteriores à chegada da pandemia, em que o setor já era visto nalguns locais com preocupação por se ter tornado excessivo, causado fenómenos de gentrificação e ter criado muitos problemas.

Há quatro pontos fundamentais que precisam ser considerados devidamente na elaboração de uma estratégia para o setor e para nos posicionarmos para a ‘bazuca’. Em primeiro lugar, há que referir que o turismo não é um setor prioritário no âmbito dos financiamentos do FEDER e Fundo de Coesão para 2021-2027. Estes financiamentos ascendem a 242 mil milhões de euros para toda a Europa, sendo que Portugal irá receber cerca de 16 mil milhões de euros. A Comissão Europeia definiu 5 Objetivos de Política (OP) para o futuro: uma Europa mais inteligente (OP1), mais sustentável (OP2), melhor conectada (OP3), mais social (OP4), e mais próxima dos cidadãos (OP5). Contudo, alerte-se que o turismo não tem um envelope financeiro próprio no âmbito da maior parte destas medidas, pelo que as empresas e as organizações vão ter de se posicionar fora da existência de um quadro próprio de apoio.

Ciente da importância estratégica que o Turismo pode vir a ter para puxar pelas economias a saírem da crise, a Comissão Europeia adicionou um sub-eixo especificamente para o turismo designado Objetivo Política Específica para o Turismo (OP4.5), no âmbito do OP4, ligando o turismo à cultura, à sustentabilidade e à inclusão e inovação social. Daqui se conclui, que há razões acrescidas para que Portugal desenhe uma estratégia para apoiar os empresários da área do turismo, porque em áreas como competitividade, digitalização, ambiente, cidades, etc., o sector terá de competir diretamente com todos os outros setores que, habitualmente absorvem muitos mais fundos. Isto é, há que preparar o turismo para poder absorver os financiamentos do Objetivo 4.5 e para poder aceder a todas as outras linhas de financiamento.

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Em segundo lugar, refira-se que o Plano de Recuperação e Resiliência e o Plano Costa e Silva são claramente insuficientes para o turismo. Nestes documentos não é apresentada uma visão e uma estratégia claras que definam um rumo para o turismo. Nesse sentido, torna-se desde já prioritário, que Portugal desenhe uma estratégia específica para poder aproveitar devidamente os financiamentos que aí vêm e que não estão devidamente enquadrados nestes planos nacionais.

Em terceiro lugar, refira-se que o país precisa de criar uma política de atuação que assegure que o financiamento chega não apenas às organizações do setor público e às grandes empresas capazes de submeterem projetos. Note-se, que a maior parte das empresas do turismo são “nano-empresas”, de cariz familiar, afastadas das tecnologias de informação e comunicação, e sem grande consultoria financeira (muitas delas quase que nem conseguem pagar a um TOC). Assim, é fundamental equacionar-se a criação de um “novo quadro de administração”, que inclua os organismos do Estado, mas que também integre as associações do setor, dado que estão mais próximas da economia e dos problemas que as afetam. É, pois, urgente que o país crie rapidamente uma “nova rede institucional” para ligar o setor público às empresas e organizações. Isto não passa por criar mais organizações e burocracia, antes pelo contrário, passa por articular e por a trabalhar, em conjunto, todo o potencial organizacional que existe no país e que é muito bom se for utilizado devidamente. E no que concerne às organizações do setor público, há que evitar a duplicação de atribuições e competências, que servem apenas para consumir recursos e aumentar a burocracia e a lentidão dos processos.

Em quarto lugar, devemos ser ‘inteligentes’ e criar boas Estratégias Regionais Inteligentes (RIS3) para o turismo. Refira-se que Portugal não tem aproveitado devidamente o elevado potencial que o turismo possui para induzir desenvolvimento e prosperidade em setores como a agricultura, florestas, produtos tradicionais, e alargamento da base económica e inclusão social. O turismo que aí vem deve estar articulado com aquilo que o país tem e que produz, e ser mais democrático, no sentido de incluir os negócios e as pessoas locais. Muitas das formas de turismo, verticalizadas e erosivas das comunidades locais, sob a forma de eucalipto, devem ser absolutamente evitadas. O setor do turismo precisa de otimizar não apenas os benefícios diretos que deixa fundamentalmente na hotelaria e restauração, mas deve estar igualmente associado a estratégias inteligentes que puxem pelas economias locais e envolvam todas as pessoas. Chama-se a isso turismo sustentado e sustentável!

Já temos pouco tempo! Precisamos de definir uma estratégia bem definida e não apenas rabiscar umas ideias para dizermos que estamos preparados. Precisamos de criar uma estratégia que, na área do turismo, acrescente presença e visão ao Plano Recuperação e Resiliência e ao Plano Costa e Silva.

Há que ter consciência que podemos vir a falhar o desafio que está prestes a chegar! É imperioso preparar o setor do turismo e não falhar esta oportunidade de oiro!