Todos queremos saber quando é que isto acaba. Assustados com o que se via em Itália, os que podiam ficaram em casa, ainda antes de o Governo impor a quarentena. O Estado fechou as escolas e uma grande parte da população ficou fechada em casa. O Estado de emergência determinou o encerramento de muitas actividades económicas cuja realização exige grande proximidade social. Os que estão em modo de teletrabalho, e mantêm os seus rendimentos, podem até apreciar algumas vantagens no confinamento.

O teletrabalho será comum entre os comentadores das redes sociais. Não o é para a maioria da população. Em Fevereiro, o Sr. António montou uma caldeira nova em minha casa. Nessa altura, estava assoberbado de trabalho. Ligou-me na semana passada. Queria saber se a caldeira estava a funcionar. Entre os dias 12 e 14 de Março, viu cancelados 95% dos trabalhos previstos até ao final do mês. E é essa a situação de todos os seus colegas. Vai pedir o apoio previsto para os empresários em nome individual e recorrer ao ‘saco das poupanças’ para se aguentar.

Por quanto tempo se aguentará o Sr. António? As famílias de rendimentos mais baixos são as que têm menos poupanças. Com quebras abruptas no rendimento, vão ter grandes dificuldades em manter níveis de vida aceitáveis.

O Governo tem sido lesto a apresentar medidas e a adequá-las à realidade. Facilitou e alargou o acesso aos apoios. No início desta semana, mais de um milhão de trabalhadores independentes tinham apresentado pedidos de apoio à Segurança Social. Mais de 500 mil trabalhadores estão já em processo de lay-off.

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Dissipador durante décadas, acumulando uma das dívidas mais elevadas do mundo em percentagem do PIB, o Estado português não tem condições para garantir rendimento às famílias durante muito tempo.

Numa entrevista, em ‘O país que se segue’ da FFMS, Pedro Santos Guerreiro perguntou-me quanto tempo mais aguenta a economia portuguesa esta quarentena? Dois meses, respondi. Ou seja, até ao final de Maio.

Porquê dois meses?

Com a chegada do Verão, a situação pode complicar-se. Em condições normais, entre Junho e Setembro, o turismo é o motor da economia portuguesa. Representa mais de 10% do PIB e cerca de 50% das exportações de serviços. Este ano não vamos poder contar com este motor. A mobilidade internacional e nacional das pessoas deverá continuar sob fortes restrições. As pessoas terão receio de viajar, dados os riscos de contágio ou de retenção nas fronteiras.

A falência de empresas e os despedimentos no sector do turismo poderão atingir valores estratosféricos. Neste contexto, é importante lembrar que mais de 20% dos contratos de trabalho por conta de outrem não são contratos permanentes. Sem perspectivas de recuperação, os contratos de trabalho que atingirem o seu termo, provavelmente, não serão renovados. Miguel Faria e Castro da Reserva Federal de St. Louis, no jornal ECO, aventa a hipótese, num cenário catastrófico, da destruição de mais de um milhão de empregos.

Podemos não ter uma data como pediu João Miguel Tavares. Mas temos de ter uma estratégia para pôr a economia a funcionar novamente até ao Verão. Se os restantes sectores não compensarem a cratera aberta pela ausência de turistas, vamos ter o pior Verão das nossas vidas. E a nossa saúde não vai aguentar o próximo Inverno.

A perspectiva de aplanamento da curva de infectados com covid-19 tem levado alguns países europeus a anunciar ou a preparar o levantamento das medidas de confinamento. Os especialistas têm elencado quatro condições para a retoma da actividade económica. Primeira, garantir que os hospitais estão devidamente equipados e com os recursos humanos reforçados.  Segunda, testar todas as pessoas com sintomas, para que possam regressar à sua actividade sem riscos para a saúde pública. Terceira, monitorizar as pessoas infectadas e as suas relações, de forma a evitar novas vagas de contágio. Finalmente, dado o período de incubação, é necessário que se tenha registado uma redução sustentada dos novos casos nos últimos 14 dias.

Em todos os países, o levantamento das medidas de quarentena será faseado. Temos de definir uma estratégia nacional para esse faseamento – por faixas etárias, regiões, sectores económicos, etc. Um desafio das empresas portuguesas, que é também uma oportunidade, é responder às necessidades de bens na área da saúde – kits de testes, equipamentos de protecção pessoal, desinfectantes, ventiladores. Estes bens são essenciais para a saúde, não apenas da população portuguesa, mas também da população mundial. Muitos industriais referem como vantagem competitiva a rapidez de resposta das nossas empresas às necessidades dos clientes. Não haverá melhor oportunidade para o comprovar.

A reactivação de grandes cadeias de produção global, como a do sector automóvel, exigirá uma forte coordenação internacional. Por exemplo, não servirá de nada os trabalhadores da Autoeuropa voltarem ao trabalho se permanecerem em quarentena os trabalhadores das centenas de empresas, de dezenas de países, que a fornecem. Esta interconectividade que caracteriza a economia global aumenta a incerteza sobre a forma como decorrerá a recuperação económica.

Muitos têm proposto a estratégia de ‘congelar’ a economia. De acordo com essa estratégia, devemos preservar a estrutura existente antes da pandemia. Essa seria a melhor forma para a economia estar preparada para aproveitar a recuperação. Discordo desta estratégia. No final desta crise, à semelhança do que sempre acontece em períodos de grande disrupção, vamos ter uma economia muito diferente. Os hábitos das pessoas vão alterar-se. O modo de trabalhar vai alterar-se. As cadeias de produção e distribuição poderão sofrer profundas recomposições.

Não podemos ficar à espera sentados a ver como vai ficar a economia depois da pandemia. Até porque não temos uma data para o seu fim. As nossas empresas têm de acompanhar as mudanças. Para aproveitar as oportunidades que vão surgir têm de agir desde já.

Este vai ser o Verão do nosso descontentamento. Temos de nos preparar. O Inverno pode ser ainda mais duro.