Parece que, décadas depois dos anos 70, temos um novo “problema da habitação”. Em que consiste? Aparentemente, na subida dos preços das vendas e dos arrendamentos. Que significam esses aumentos, que tanta emoção têm causado nas primeiras páginas dos jornais e nas aberturas dos noticiários? No caso das rendas, o facto de haver agora um mercado de arrendamento, por mais limitado e distorcido, que antes quase não havia. Mas quanto aos preços de venda, esta não é a primeira vez que aumentam muito. Aconteceu há uns vinte e tal anos, depois da adesão de Portugal à CEE. Os preços multiplicaram-se durante a década de 1990, sobretudo após 1995. No entanto, aconteceu esta coisa que agora nos pode parecer espantosa: não houve pânico. A única preocupação era fugir aos impostos, embora o fisco fosse então uma doçura, comparado com a escravatura actual.

Dir-me-ão: era outro tempo, tudo era diferente. Precisamente, mas é nessa diferença que precisamos de reflectir. O que é que era diferente? As casas transaccionadas não ficavam, em geral, em prédios recuperados dos centros históricos, mas nas novas urbanizações que, à volta das cidades, iam cobrindo de cimento quintas e hortas abandonadas, enquanto a baixa de Lisboa se iam desertificando como uma aldeia serrana. O estacionamento era então um critério decisivo, tal como o acesso ao centro comercial. E, claro, ainda não havia alojamento local ou estrangeiros a comprar significativamente. Eram os portugueses, cujos rendimentos aumentavam, acompanhando o crescimento da economia e as facilidades de crédito. Essa, de facto, é a grande diferença: se os preços das casas subiam na década de 1990, também subia o poder de compra (ou de endividamento) dos portugueses.

É o que não acontece agora. O corrente grande pânico com o preço das casas expressa esta verdade, que a nossa oligarquia se esforça por esconder: o país passa por uma prosperidade que não é geral, ao contrário do que aconteceu nos anos 1960 e 1990. Uma das sociedades mais envelhecidas e endividadas tem hoje uma das economias que menos cresce na Europa. A actual alegria do imobiliário deve quase tudo ao turismo e ao paraíso fiscal criado para os reformados estrangeiros. Há quem faça negócios, com vendas ou alojamento local. Num tempo em que os depósitos bancários secaram, o imobiliário é interessante. Mas quem não é já proprietário ou não tem grandes poupanças, dificilmente poderá aspirar a entrar na escada rolante das mais-valias. Para a maior parte dos portugueses, há muito que não há aumentos comparáveis aos do sector público, e se os tivesse havido, o fisco lá estaria para lhes lembrar que a principal missão das actuais gerações de portugueses é financiar o Estado mais endividado da Europa, e assim ajudar o governo a comprar votos em 2019.

O escândalo com o custo da habitação no centro de Lisboa atesta, não apenas a globalização das capitais, mas também as limitações da economia portuguesa. O imobiliário é por isso um filme a que a maioria dos portugueses está condenada a assistir, sem nele poder participar. Resta agora saber o que vai a oligarquia fazer com isto. Em 2011, a troika quis aproveitar a queda dos preços, acentuada depois de 2007-2008, para nos afastar das hipotecas, e nos levar pela mão à sabedoria do arrendamento. Não houve tempo para a experiência. Neste momento, o governo anda a ser tentado a estrangular o mercado imobiliário, apertando o condicionamento das rendas e desmotivando os estrangeiros. Talvez que com um pouco mais de esforço, os preços parem de subir. Não julguem, porém, que vamos ganhar alguma coisa com isso.

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