1. Podemos censurar os exageros retóricos do “que se lixem as eleições”, do pedido para os portugueses “serem menos piegas” ou dos diversos apoios à emigração – erros que demonstram uma relação masoquista com o eleitorado que em nada beneficiam um líder que devia ter um discurso agregador e não divisionista. Podemos ainda divergir face à falta de ambição de reformar o Estado, de levar avante um verdadeiro programa de redução estrutural da despesa pública e, consequentemente, de não conseguir aplicar uma baixa estrutural da carga fiscal portuguesa, tentando colocá-la ao nível das mais competitivas a nível europeu. Podemos até criticar o erro estratégico (comum a praticamente todos os líderes do centro direita) de se estar nas tintas para a comunicação social – desistindo, logo à partida, de tentar explicar as suas ideias e reformas à Opinião Pública através do escrutínio jornalístico, preferindo apostar numa comunicação direta com o eleitorado. Tal como podemos afirmar que não teve sucesso enquanto líder da oposição entre o final de 2015 e o final de 2017.

Podemos constatar estes erros e mais alguns. Mas de uma coisa não podemos esquecer: Pedro Passos Coelho foi o líder político mais reformista dos últimos 30 anos. Desde Cavaco Silva que não aparecia um primeiro-ministro que não estivesse apenas preocupado em gerir o dia-a-dia do Estado sem ferir as suscetibilidades do eleitorado (como Durão Barroso), que não tivesse como foco da sua ação programar espetáculos de marketing em redor de programas que só aumentaram de forma irresponsável e criminosa e sem qualquer racional económico a despesa e a dívida pública (como José Sócrates) ou que não tivesse como única ação promover uma política de diálogo que rimou com inação e que desaproveitou circunstâncias económicas ideais para continuar a reformar o país e promover um crescimento económico convergente com a União Europeia (como António Guterres).

Ao contrário de todos os outros, e por única e exclusiva culpa de um deles (José Sócrates), Passos Coelho teve de gerir um país à beira da bancarrota, focado que estava em cumprir um único programa de ajustamento para evitar repetir a tragédia da Grécia. Tudo ao mesmo tempo que reconstruia o tecido económico nacional com um enfoque estratégico no sector exportador de valor acrescentado que permitisse um equilíbrio sustentável da nossa Balança de Pagamentos, que construía reformas importantes na legislação laboral para atraír investimento direto estrangeiro, que criava uma legislação no arrendamento que acabou com décadas a fio de iniquidades derivadas do congelamento das rendas que promoveu o abandono e a decadência dos nossos principais centros urbanos e que liberaliza sectores estratégicos da nossa economia de forma a combater o desemprego e a promover o progresso económico.

Mais do que o “não” a Ricardo Salgado para envolver a Caixa Geral de Depósitos na viabilização de um Grupo Espírito Santo falido — o que permitiu-lhe ser coerente e consequente com um pensamento económico liberal que não vê o Estado como o motor da economia ou como o salvador promíscuo de empresas inviáveis a troco de um controlo político de instituíçoes que devem orientar-se pelo valor que criam para os seus acionistas — mais do que esse fundamental “não” que muito poucos seriam capazes de dizer, um dos contributos mais importantes de Passos Coelho para um aprofundamento da democracia portuguesa foi a construção de uma Justiça verdadeiramente independente que pôde finalmente cumprir o seu papel: escrutinar todos aqueles que se julgavam acima da lei e investigar tudo o que fosse necessário independentemente do poder político, social e económico dos respetivos protagonistas.

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Ainda estão por apurar os benefícios promovidos pelo trabalho meritório do Ministério Público de Joana Marques Vidal na regeneração do nosso sistema democrático. Saber que um autarca condenado por fraude fiscal cumpriu pena de prisão de 1 ano, saber que um ex-primeiro-ministro foi preso preventivamente por 10 meses e acusado de crimes gravíssimos pelos procuradores mais qualificados do país, saber que um ex-banqueiro e representante de uma das famílias mais poderosas do país é arguido no processo mais complexo da história do Ministério Público por alegadas responsabilidades na derrocada de um dos grupos financeiros mais importantes do país — tudo isto ajuda a reforçar a perceção na comunidade de que não há ninguém acima da lei, o que promove a coesão social, fortalece a confiança dos cidadãos num sistema político que se quer justo e fomenta o progresso económico.

Estas não são todas mas são algumas das mais importantes razões para estarmos, enquanto comunidade, agradecidos ao esforço que Pedro Passos Coelho fez pelo país enquanto primeiro-ministro entre 2011 e 2015 para a construção de um futuro sustentável que agora permite um crescimento perto dos 3% anuais. Rui Rio tem a especial obrigação de não desrespeitar esse legado.

2. O Congresso do PSD confirmou o que já se conhece há anos de Rui Rio: um homem com uma visão autoritária da liderança, teimoso e que muito poucos conseguem influenciar — ao ponto de manchar o início do seu mandato com uma polémica sem sentido à volta da indicação de Elina Fraga como nova vice-presidente do PSD. Um homem providencial, portanto, que se vê como a luz de onde tudo emana e a qual deve ser seguida de forma cega.

De tudo o que Rui Rio já disse até ao momento, não há dúvida que as suas ideias para o sector da Justiça são aquelas que significam uma ruptura mais clara com a matriz histórica que tem caracterizado a ação recente do PSD na promoção de um sector independente que protagonize o seu papel de contra-feio habitual em qualquer democracia digna desse nome.

Rio, e falando em termos práticos, quer colocar a Justiça na ordem não por ser lenta e cara, não por ser um entrave à captação de mais investimentos direto estrangeiro ou por não estar a combater de forma eficaz crimes (como a corrupção) que deturpam o normal funcionamento do mercado – algo essencial para um líder de um partido que vê o investimento privado como uma matéria essencial para o desenvolvimento económico e social do país. Não, não é nada disso que o preocupa. O maior problema da Justiça em Portugal é o crime de violação do segredo de justiça e a “judicialização da política” – para Rui Rio, claro.

É extraordinário como o ex-edil do Porto, sem apresentar qualquer prova do que diz, esqueça todos os operadores judiciais que participam num processo penal (como os juízes, advogados, órgãos de polícia criminal e oficiais de justiça) e aponte o dedo única exclusivamente aos procuradores como alegados autores de violações de segredo de justiça. Mais do que uma ideia pré-concebida que Rio tem na cabeça – lá está a teimosia – uma afirmação com esta gravidade revela um radicalismo próprio de um talibã que se vê como um guerreiro de fé contra um inimigo imaginário. Já para não falar na acusação vazia da “judicialização da política” que não sustentou com exemplos concretos.

Curiosamente, a melhor resposta às críticas de Rui Rio a Joana Marques Vidal foi dada este fim-de-semana pelo homem que nomeou a actual procuradora-geral por indicação do Governo de Passos Coelho: o Presidente Cavaco Silva. Além de classificar como “estranhissímo” falar da substituição de um líder do Ministério Público a 10 meses do termo do seu mandato, Cavaco deixou claro que Marques Vidal tem dado um contributo importante “para a dignificação do exercício da função judicial”, cumprindo as indicações que o próprio Cavavo lhe deu de discrição e de “aversão ao mediatismo”. A posição do ex-Chefe de Estado é a melhor prova de como as críticas do novo líder do PSD não fazem sentido.

Pior: não se ouviu a Rui Rio em todo o Congresso do PSD uma palavra sobre a importância do combate à corrupção – a principal marca do mandato de Joana Marques Vidal. O que só pode levar à conclusão que Rio entende que uma República que acaba de acusar de um ex-primeiro-ministro de ter usado o cargo de líder do poder executivo para praticar atos de alegada corrupção desde o primeiro dia em São Bento não tem qualquer problema com esse crime.

O mais estranho, contudo, são as primeiras escolhas de Rui Rio para aplicar as suas mudanças na Justiça. Se ainda se compreende que Elina Fraga, a verdadeira líder da oposição ao Governo Passos Coelho nesse sector e grande crítica das alegadas violações do segredo de justiça da Operação Marquês em defesa de José Sócrates, tenha sido escolhida para mostrar uma rutura com o passado recente do PSD — apesar da sua reduzia credibilidade. Já a indicação de Fernando Negrão para líder parlamentar do PSD não se comprende. Além do seu fraco curriculum político e a ausência de um registo sólido como parlamentar, Negrão ficou conhecido no final dos anos 90 por demitir-se do cargo de diretor nacional da Polícia Judiciária ao ser denunciado por jornalistas do Diário de Notícias como o alegado autor da informação sobre a realização de buscas judiciais do chamado caso Universidade Moderna. É certo que o Tribunal da Relação de Lisboa não o pronunciou para julgamento mas isso não o livrou da mancha de ter sido acusado do crime da violação do segredo de justiça por parte do Ministério Público — e por queixa do então procurador-geral Cunha Rodrigues. A dúvida é só uma: é Fernando Negrão quem vai liderar no Parlamento a criação, em nome de Rui Rio, de uma política mais eficiente para combater a violação do segredo de justiça?

Definitivamente  o líder que defende um banho de ética na política não começou bem mas ainda vai a tempo de corrigir algumas contradições insanáveis.