A primeira quinzena de outubro de cada ano caracteriza-se pelo facto de termos acesso às medidas de política fiscal incluídas no esboço do Orçamento do Estado que poderão vigorar no ano seguinte. Decorrerão, subsequentemente, algumas semanas de discussão do mix de medidas que se espera que venham a ser aprovadas pelo Parlamento após as indispensáveis negociações que terão de decorrer em virtude de não existir atualmente uma maioria parlamentar que assegure a priori a sua aprovação. Todavia, é expectável que seja alcançado um compromisso entre os partidos políticos que nos últimos anos têm apoiado o Governo em funções, uma vez que os cidadãos não compreenderiam que nesta fase de recuperação da economia pudéssemos ser confrontados com uma crise política.

Em cada ano, as expetativas são invariavelmente elevadas sobre as medidas que poderão ser adotadas ao nível fiscal. No entanto, não iremos assistir no próximo ano a uma redução com significado da atual carga fiscal, quer ao nível das famílias, quer ao nível das empresas, porquanto a correção da trajetória das contas públicas parece ser atualmente um objetivo central perseguido pelo governo após a dívida pública ter crescido cerca de 40 mil milhões de euros em resultado da pandemia. Vale a pena ter presente que a carga fiscal global aumentou em 2020, passando a equivaler a 35,3% do PIB (34,6% em 2019).

Entretanto, a receita fiscal deverá crescer 3,8% no próximo ano, continuando a tributação indireta a ser maioritária, com cerca de 57% da receita fiscal, destacando-se o IVA (18.283,9 milhões de euros/+6%) e o ISP (3.503 milhões de euros/+3%). O IRS e o IRC envolverão em 2022 receitas de 14.711,6 milhões de euros (+2%) e 4.917 milhões de euros (+2%), respetivamente.

Sem prejuízo do crescimento do PIB, que se estima ser de 4,8% para este ano em resultado da melhoria da atividade económica e de 5,5% para o próximo ano, ultrapassando-se o nível do PIB pré-pandemia, parece ser notório que será efetuado um esforço de consolidação orçamental  com repercussões no decréscimo do défice orçamental (4,3% do PIB no presente ano e 3,2% em 2022) e no peso da dívida pública face ao PIB, que deverá cair para 122,8% no próximo ano (126,9% no final de 2021). Este objetivo condiciona, em si mesmo, a adoção e a aprovação de medidas fiscais tendentes a estimular a economia, designadamente na esfera empresarial, como seria desejável nesta fase de retoma e relançamento da economia.

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Entretanto, antecipamos que irá privilegiar-se o investimento público, que poderá vir a crescer de uma forma robusta (30%), facto a que não é alheio o valor dos recursos que o PRR irá disponibilizar para a transição digital e climática e para a resiliência. Do mesmo modo, serão reforçadas as contribuições para o SNS em 700 milhões de euros. Paralelamente, a inflação deve corresponder a 0,9%, um elemento que está na base da proposta de aumento na Função Pública. Estará também a ser equacionado um aumento extraordinário, a partir de agosto de 2022, para as pensões mais baixas de sensivelmente 10 euros e a revisão do salário mínimo nacional, que deverá alcançar 750 euros em 2023.

De uma forma resumida, as opções do Governo ao nível fiscal irão passar pela adoção das seguintes medidas ao nível do IRS:

  1. desdobramento dos 3º e 6º escalões do imposto, passando-se de 7 para 9 escalões, aspeto que introduzirá uma maior progressividade mas que tenderá a ter pouca expressão na esfera dos contribuintes pelo facto de apenas se prever uma quebra de receita fiscal de 205 milhões de euros (e mais 35 milhões de euros em 2023) que equivale a cerca de 1,4% da receita global deste imposto. Estima-se uma redução da tributação nos rendimentos a partir dos 15 mil euros anuais, que não deverá ser superior a 200 euros (ficando, na generalidade dos casos, abaixo dos 100 euros);
  2. um alargamento temporal do programa IRS Jovem de três para cinco anos, que também passará a abranger os rendimentos empresariais e profissionais e não somente os rendimentos do trabalho dependente, e da isenção aplicável (30% nos dois primeiros anos, 20% nos terceiro e quarto anos e 10% no quinto ano);
  3. a extensão, igualmente, temporal por mais três anos do Programa Regressar, que irá conferir um desconto no IRS de 50% durante cinco anos para os rendimentos do trabalho dependente e independente;
  4. um aumento da dedução à coleta de 600 euros para 900 euros por cada dependente a partir do segundo filho até seis anos 750 euros em 2022 e 900 euros em 2023 e um reforço dos abonos de família para os contribuintes dos 1º e 2º escalões da Segurança Social; e
  5. o englobamento de rendimentos – ao contrário do que chegou a ser veiculado, poderá vir a ser aplicável exclusivamente às mais-valias especulativas associadas a ativos detidos por menos de um ano e não ser estendido a dividendos/lucros, juros e rendimentos prediais.

Já ao nível da tributação das empresas, confirma-se que a ambição é efetivamente modesta porquanto a medida mais emblemática está associada à aprovação de um Incentivo (ou melhor, um crédito de imposto) Fiscal à Recuperação que irá possibilitar uma dedução à coleta até 25% dos investimentos, realizados no primeiro semestre de 2022, em ativos afetos à exploração (IFR) e que será muito equivalente aos créditos fiscais que vigoraram nos últimos anos. O IFR envolverá uma verba de 150 milhões de euros e estará dependente da manutenção dos postos de trabalho e da não distribuição de lucros/dividendos por um período de três anos.

Também se prevê a abolição do Pagamento Especial por Conta, que nos últimos anos já não foi realizado pela generalidade das empresas.

Entretanto, e a respeito da tributação das empresas, continuam sem se atender a muitas das pretensões existentes, nomeadamente a redução da taxa nominal do IRC – podendo a tributação máxima agregada ao nível dos impostos sobre os lucros atingir 31,5% (IRC, Derrama Municipal e Derrama Estadual (DE)) –, a redução das taxas da DE até à sua extinção face ao carácter temporário em que assentou a sua criação e uma redução generalizada das taxas de tributação autónoma.

Iremos acompanhar até ao final do mês de novembro o leque das medidas fiscais que deverão vir a ser aprovadas na especialidade, não existindo todavia um grande otimismo quanto à possibilidade de termos surpresas positivas. Acreditamos que a rigidez que o Governo quer introduzir ao nível do controlo das contas públicas, a par com a redução das medidas de apoio à economia que vigoraram neste último ano e meio, em resultado da pandemia, poderia ser compensadas com alguns estímulos de natureza fiscal. Estes estímulos poderiam permitir obter um rendimento disponível acrescido, sobretudo focado na classe média, e uma redução progressiva da tributação direta que impende sobre as empresas.