No final de um telefonema com uma amiga, ela diz-me que está muito feliz com a recuperação do meu pai e que espera pelo seu telefonema na segunda-feira – dia 8 de Março. Dia Internacional da Mulher. Tal como no ano passado e em anos anteriores, o meu pai telefona, envia um presente, ou encontramo-nos nesse dia. Por vezes, é ele quem me lembra a data: é uma voz alegre que celebra comigo quem sou.

Estamos a cento e treze anos de distância das operárias têxteis nova iorquinas que se juntaram, em Fevereiro de 1908, para exigir melhores condições de trabalho, menor carga horária, melhor pagamento. As mulheres, então, ocupavam os lugares mais baixos na hierarquia de produção, recebiam menos do que os homens, e eram vítimas de assédio e violência sexual no local de trabalho. A proposta de criação do Dia Internacional da Mulher, por Clara Zetkin, em Copenhaga, em 1910, decorre destes protestos.

Estamos a cento e quatro anos de distância das mulheres russas que num país empobrecido pela guerra, se juntaram para exigir pão e paz. O protesto iniciado no dia 23 de Fevereiro, 8 de Março do calendário gregoriano, transformou-se numa greve generalizada que parou a maior parte dos sectores de produção, e culminou na abdicação do Czar Nicolau II. Em homenagem a este movimento, foi escolhida a data de celebração do Dia Internacional da Mulher.

Se em 1917 a Rússia foi o primeiro país europeu a ter sufrágio universal, um ano antes do Reino Unido e dois anos antes dos Estados Unidos, na Rússia de Putin, onde 36.000 mulheres são diariamente espancadas pelos maridos, foi feita uma emenda para descriminalizar a violência doméstica excepto em casos muito graves ou recorrentes. Pequenas lacerações ou nódoas negras, já não constituem crime. Só se das agressões resultarem ferimentos graves que exijam cuidados hospitalares, ou obriguem a vítima a faltar ao trabalho.

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Em Portugal, a quarenta e seis anos de distância do reconhecimento do Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidas, ainda morre assassinada, vítima de violência doméstica, mais do que uma mulher por mês.

Estamos em 2021. E todos sabemos que as mulheres ganham menos do que os homens, trabalham mais horas não remuneradas e sobre elas recai a maior parte do serviço doméstico e assistência familiar.

Dos 195 países reconhecidos pelas Nações Unidas, 22 são governados por mulheres, que ocupam apenas cerca de 25% dos lugares parlamentares.

Assim mesmo, a Confederação Empresarial de Portugal, propôs-se organizar um debate sobre “As mulheres e o emprego: um tema do Homem”, com um painel exclusivamente masculino, com o objectivo de discutir, entre líderes masculinos, o que trava a ascensão de mais mulheres a cargos de gestão” e “desmaterializar o Dia da Mulher, celebrá-lo como um legado histórico e não como um dia de luta”.

As mulheres não precisam de líderes masculinos para lhes explicarem o que trava a sua ascenção a cargos de poder. São as históricas quotas 100% masculinas que as excluíram desses lugares. Como é a ausência de quotas femininas em todos os conselhos de administração de empresas públicas ou público-privadas, que continuam a excluí-las. É preciso ver que não há 50% de mulheres em nenhum corredor de poder.

Antes de desmaterializar o Dia Internacional da Mulher, é preciso materializá-lo: da efectiva paridade legal à paridade salarial, e ao acesso aos cargos de decisão. É assim que se constituí um legado e é assim que se faz história.