Deliro com a instalação dos 10 pares de olhos gigantes, muito expressivos e cómicos, que foram pendurados em 10 árvores de Lisboa por Filthy Luker e Pedro Estrellas, a dupla de artistas britânicos pioneiros em esculturas insufláveis, feitas com materiais recicláveis, com o objetivo de nos fazer refletir sobre o impacto humano no meio ambiente. Confesso que me encanta a street art quando acrescenta valor estético e outros, quando interpela ou desperta a consciência.

Gosto de ver bons graffitis em paredes e muros, tanto quanto detesto tags e escritos que apenas sujam, mancham e desfeiam prédios, casas e portas de pessoas que lá moram e se sentem agredidas. Choca-me ver monumentos e espaços públicos, que são de todos, estragados por vândalos que chamam arte ao rasto de porcaria que deixam por onde passam. Admiro artistas e malabaristas de rua, músicos que tocam no Metro ou ao ar livre, gente que dança nas praças e contagia outros para dançar.

Sou fã dos urban sketchers, sigo fotógrafos e ilustradores nas redes sociais e aprecio muitas das fotografias e desenhos que uns e outros vendem nas esquinas da cidade.
Gosto de ver esculturas nos passeios e pinturas oferecidas à cidade pelos próprios pintores ou por mecenas, assim como me fascina ver paredes grandes e pequenas cobertas de azulejos com assinatura dos autores.

Qualquer cidade, vila ou lugar do mundo ganha vida e personalidade graças aos artistas de rua, às projeções de vídeos e imagens em diferentes escalas, às instalações site-specific, aos mimos que circulam ou se fingem estátuas para perpetuar figuras e épocas, aos que se vestem de palhaços para nos fazer rir de nós próprios, aos que surpreendem os transeuntes porque os acompanham ou imitam durante parte do seu percurso. O mundo inteiro deve muito à arte urbana e aos que a fazem, no sentido em que humanizam a paisagem, a tornam menos previsível e mais inspiradora.

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Há uma unanimidade geral quando falamos de artistas como Banksy, Christo ou Vhils, porque a esmagadora maioria das pessoas reconhece a força das suas obras e intervenções, mas sendo eles geniais, são apenas três entre os melhores e mais conhecidos. Existem milhares, milhões de outros que todos os dias acordam e se movem com o propósito único de cumprir o seu desígnio correspondendo à demanda interior de fazerem a sua arte e se realizarem acrescentando o seu valor.

Os pares de olhos insufláveis pendurados nas árvores são fabulosos pela simplicidade e criatividade com que os seus autores os pensaram e colocaram. Escolheram copas frondosas e outras meio ‘descabeladas’, árvores seculares e árvores novas, e espalharam olhos em pontos estratégicos da cidade, num corredor central diariamente atravessado por milhares de pessoas. Entre o Saldanha e o Cais do Sodré há agora 10 árvores com olhos gigantes, arregalados, divertidos, que nos fazem parar e olhar de volta.

Os autores chamam a esta instalação “Outro Olhar” e eu, que me cruzo diariamente com algumas destas árvores, posso garantir que há realmente um outro olhar sobre as árvores. Ganharam uma nova presença e passaram a ser notadas. Deixaram de ser apenas uma entre muitas outras e passaram a ser ‘aquelas’. As árvores especiais. As que devolvem o nosso olhar e, por parecer que também olham para nós, nos fazem sorrir. Tal como os olhos e as expressões dos emojis, que todos usamos para sublinhar mensagens e emoções, também estes olhos insufláveis parecem interagir connosco.

Para muitos, estas árvores passaram a ter personalidade e, na lógica dos emojis, até parecem ter sentimentos (salvo seja!). Na verdade, apetece estabelecer relação com elas, por assim dizer. A troca de olhares é sempre um início de relação e damos por nós a imaginar que estas árvores humanizadas também estão a olhar para nós, a fixar-nos e a reconhecer-nos, por mais surreal ou ilógico que isso possa parecer. Algumas ficaram particularmente sugestivas porque têm uma copa que assenta nos olhos como uma farta cabeleira e isso dá-lhes traços quase humanos e até lhes confere carater. Salvo seja, insisto.

Por tudo isto, aposto que no dia 30 de Setembro, o dia em que esta instalação será retirada, a paisagem se vai ressentir e a cidade ficará mais vazia e porventura menos intrigante porque desprovida desse ‘outro olhar’. Em todo o caso, dificilmente esqueceremos que estas árvores um dia tiveram olhos e estou certa de que passaremos a olhar para todas com um olhar renovado. Ou seja, com mais atenção e cuidado, mais elevação e respeito. E, quem sabe, com sentido de pertença (e de semelhança!) e instinto de proteção.

P.S.: Escrevo na véspera de inaugurar o Iminente, no Panorâmico de Monsanto, festival criado por Vhils para juntar uma comunidade criativa, incrivelmente rica e extraordinariamente diversa, dando-lhe palcos e montra. Vale a pena ficar a conhecer os talentos que por ali passam até ao dia 19.