Um novo ciclo político, uma nova legislatura e eis que renascem as propostas e as esperanças no aperfeiçoamento das instituições, na simplificação dos procedimentos que enquadram a relação do Estado com os cidadãos e com as empresas.

Diga-se, desde já, que a expectativa é alta, pois, quer o atual primeiro-ministro quer a ministra da presidência, competente para estas matérias, têm provas dadas em momentos anteriores da sua atividade pública.

Assim, a proposta de Orçamento para 2016 volta a falar na requalificação do Estado e anuncia-se, para maio próximo, uma nova versão do famoso Simplex, programa destinado à melhoria do funcionamento do Estado e da Administração cujo sucesso, como é óbvio, será bom para todos.

Acontece que, para requalificar, simplificar, melhorar, facilitar a interação do Estado com os cidadãos e com as empresas é preciso começar por olhar para o Estado a que chegámos e perceber onde é que para o Estado. Ou seja, é necessário fazer escolhas e definir onde é que o Estado estará a mais e onde ele estará a menos.

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E não se pense que esta questão é exclusivamente nossa. Na verdade, ela varre todo o mundo ocidental, onde o modelo de Estado e de Administração se encontram em crise ou metamorfose.

Não se pense, também, que a argumentação a favor da requalificação do Estado ou da sua reforma é de direita, pois a esquerda tem mais a ganhar do que a direita na boa gestão do Estado, pela simples razão de que a esquerda aposta mais na capacidade dos governos para melhorar a vida das pessoas.

Com o objetivo de contribuir para o debate que se avizinha, aqui se alinham alguns tópicos, precedidos de uma premissa inicial. E a premissa é a seguinte:

No debate até agora ocorrido na sociedade portuguesa, o tema central tem sido o da refundação do Estado ou o corte e emagrecimento do mesmo Estado. No entanto o que é preciso, isso sim, é resgatá-lo de uns e melhorá-lo, requalificá-lo, para outros.

É preciso resgatá-lo, antes de mais, daqueles que o capturaram para os seus próprios interesses e dele não precisam. É necessário, requalificá-lo, aperfeiçoá-lo, bem como as suas instituições, a sua estrutura, os seus métodos de trabalho e o seu modelo de financiamento, para o salvar da crise em que se encontra e mantê-lo ao serviço dos que dele não podem prescindir.

Sabemos, contudo, que, sem ideais e sem uma visão partilhada, não existe vida pública. Esses ideais, essa visão partilhada, todavia, serão inconsequentes, ineficazes, se não tiverem em conta a realidade, o contexto em que se inserem, a chamada reserva do possível.

E aí torna-se essencial fazer as tais escolhas. Escolher, no fundo, que sociedade queremos e podemos ter e quais os recursos razoavelmente disponíveis para a manter.

São duas perguntas, aparentemente fáceis, mas de resposta difícil.

Só que, mesmo face à dificuldade, não podemos desistir ou perder a esperança. É fundamental continuar a melhorar, a aperfeiçoar o Estado para não o perder (será sempre preferível viver com mais Estado na Suécia do que com menos Estado na Líbia), pois, afinal, são os pobres, os mais dependentes, aqueles que mais precisam dele.

E este é, como disse atrás, um debate de todos, na medida em que por detrás da emergência resultante da crise da dívida, da emergência em torno da sustentabilidade financeira, estará, a prazo e, mais grave ainda, a emergência da sua sustentabilidade política e legitimação democrática.

Este tem de ser, ainda, um debate no espaço público, discursiva e racionalmente fundamentado, para além das meras clivagens ideológicas.

Gerir bem a res publica, melhorar a vida dos cidadãos será, com certeza, uma visão partilhada, consensual, um verdadeiro desígnio nacional.

Ora, assumida a premissa sobre os limites do Estado e a sua respetiva sustentabilidade, a discussão deve focar-se em como fazer bem, em como organizar bem e em como trabalhar melhor para o bem comum dos portugueses (usando uma expressão cara a D. Manuel Clemente).

Com esse escopo aqui ficam alguns tópicos, algumas linhas de força, para uma requalificação do Estado, através da melhoria da sua Administração:

Uma Administração motivadora, catalisadora. Governar vem do grego: pilotar, monitorizar. Mais do que prestar serviços ou produzir bens, a Administração deve incentivar, motivar, pilotar o fornecimento de provisões públicas. Uma Administração, porventura mais pequena, mas mais forte.

Uma Administração acarinhada, sentida pela sociedade. Fortalecer em vez de servir. É preciso continuar a restituir poder à sociedade civil, às comunidades locais, fortalecendo o civismo republicano, mas também a tradicional sociedade-providência. É preciso, por esta via, que os cidadãos se sintam empenhados, não apenas enquanto utentes mas, sobretudo, como donos do seu destino.

Uma Administração competitiva. Promover a competição saudável. Promover a escolha na prestação de serviços. A questão central não é tanto a do serviço ser prestado pelo setor público ou privado. A questão decisiva está em existir concorrência ou monopólio. É que o monopólio, público ou privado, tende sempre a degradar a qualidade dos serviços e a encarecer os custos. Por isso, o caminho passará por garantir concorrência entre prestadores de serviços, sob um enquadramento legal claro e equitativo.

Uma Administração movida pela missão. Transformar as organizações públicas por via da fixação de metas e indicadores de desempenho. É fundamental definir bem a missão e os objetivos de cada serviço. Só assim a Administração será verdadeiramente avaliável e, consequentemente, responsável.

Uma Administração orientada para os resultados. Uma Administração focada nos resultados e não apenas nos procedimentos (ainda que no estrito cumprimento da lei). Na Administração também é crítico liderar pelo exemplo e pela performance, embora tendo sempre como fulcro o bem-estar do cidadão.

Uma Administração rigorosa. Gerir bem os recursos disponíveis, porque estes são e sempre serão limitados. Os impostos, as taxas e outras receitas, verão a sua legitimidade cada vez mais questionada. A avaliação custo-benefício deve estar sempre presente em cada utilização dos recursos públicos. Apoiar os que mais precisam, tomar decisões com significado social, mas não esquecendo as regras da boa e sã gestão.

Uma Administração antecipatória, preventiva. Uma Administração moderna, eficaz, deve tentar prevenir os problemas, antecipar os riscos e os perigos, antes que o dano ocorra (afinal de contas vivemos numa sociedade de risco, como sugestivamente a designou Ulrich Beck).

Uma Administração desconcentrada. É preciso caminhar da clássica hierarquia para a participação e o trabalho em rede. A desconcentração deve ser um processo gradual, mas contínuo. Decidir ou prestar mais perto dos destinatários é muito mais eficaz. O princípio da subsidiariedade deve estar sempre presente.

Uma Administração orientada para o mercado. As instituições públicas devem reduzir os custos de contexto e ajudar a optimizar as soluções do mercado sem prescindir, naturalmente, da defesa do interesse geral, regulando com rigor as falhas desse mesmo mercado. A Administração deve ser forte, justa e imparcial. Só instituições fortes e credíveis geram a riqueza das nações.

Em suma, é fundamental saber onde para o Estado, para melhorar o seu funcionamento ao serviço de todos nós.

Professor universitário, ex-secretário de Estado em governos do PS