É verdade que os órgãos de comunicação social portugueses não têm obrigação de seguir a par e passo as eleições norte-americanas. Mas tenho-me perguntado muitas vezes: onde está Joe Biden, o candidato democrata, a cerca de cinco meses das eleições, e no momento em que os Estados Unidos atravessam três crises importantíssimas: a sanitária, a económica e a social despoletada pelo assassinato de George Floyd?

A resposta é, em parte, não está em lado nenhum. Biden tem-se resguardado o mais que pode, com a sondagens, quer nos grand battle states, quer no voto popular a darem-lhe algum respaldo. No voto popular Biden está 8,5% à frente de Trump e nos estados indecisos – os que geralmente decidem a eleição pelo método do Colégio Eleitoral – vai à frente no Wisconsin, na Florida, no Michigan, na Pensilvânia e no Arizona. Com exceção da Florida, não são margens muito confortáveis. A Carolina do Norte e o Minesota apresentam empates técnicos entre os candidatos.

Mas se olharmos mais atentamente para inquéritos de opinião, vemos que Donald Trump tem algumas vantagens. Há dois indicadores interessantes. O primeiro é que no final de Abril, já em plena pandemia, Trump reunia 46% de aprovação pelo seu mandato. Os números podem ter decaído desde então, mas a sua base de apoio parece não estar particularmente disposta a abandoná-lo. Não chega para ganhar, mas é uma grande ajuda.

O segundo dado é que o chamado “voto económico”, preponderante nos Estados Unidos durante décadas, parece ter perdido importância. Senão veja-se: em 2008, 61% dos americanos diziam decidir em quem votar por razões relacionadas com os seus rendimentos. O número aumentou em 2012, para 72% em que a recuperação económica pós-crise foi, efetivamente o tema de campanha. O decréscimo acentuado deste fator veio em 2016, em que já só 40% dos inquiridos alegavam razões económicas para a sua decisão eleitoral e este ano, fixou-se nos 13%.

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Isto significa duas coisas. Apesar da crise económica atual, esse parece não ser o critério mais importante para os eleitores. Lá se vai a tese de que o crescimento em V, U, ou L vai determinar quem ganhará as eleições presidenciais. Segundo, há uma nova forma de votar na América, que nos dificulta vislumbrar os resultados, porque é mais emocional e intuitiva do que racional. Daí que o “desaparecimento” mediático de Joe Biden, se se mantiver por mais tempo, terá certamente um impacto negativo na sua campanha.

O candidato democrata perdeu uma grande oportunidade. O racismo e o apaziguamento de conflitos relacionados com etnias é um tema natural para os democratas. Biden, se tentou, não teve espaço mediático, ofuscado por Trump, que já reorganizou a sua narrativa da campanha, à volta do restabelecimento da lei e da ordem (relacionado com os motins das últimas semanas), da configuração da China como o inimigo comum que deve mobilizar os norte-americanos (daí a insistência no “vírus chinês”) e de programas sociais que revitalização económica que, à maneira republicana, tenderão a ser filtrado por instituições e não diretamente distribuídos aos indivíduos (o que ofenderia o seu eleitorado natural).

Joe Biden está a atrasar-se na corrida eleitoral. O seu regresso tem de ser muito oportuno, mas não pode demorar muito mais tempo. Um candidato desaparecido não ganha eleições, ainda mais quando o maior apelo é emocional, e Biden não é dotado de grande carisma. Perdeu uma oportunidade de ouro. Vamos ver se encontra mais alguma.