Ao longo dos anos ouvi esta frase. Eu, estava neste belo edifício, no ultimo andar, residência igual a muitas outras na cidade de Lisboa, ocupadas por jovens que trabalhavam e estudavam à noite, em quartos partilhados com um único WC. Neste andar viviam cerca de 12 jovens. Enquanto uns tomavam banho, outros barbeavam-se. Ficava na esquina da Latino Coelho com a Filipe Folque, a poucos metros do Quartel General.

Muito cedo fomos acordados com vivas à revolução por dois jovens que ocupavam um dos quartos (penso que eram os mais velhos). Tinham as paredes do quarto forradas com artigos de jornais sobre Salvador Allende. Só mais tarde percebi o significado: em 1973 tinha-se dado o golpe militar no Chile, onde Pinochet derrubou o presidente eleito Salvador Allende que pretendia instituir no país um socialismo com características diferentes, acreditava na democracia representativa de formação social democrata.

Mais tarde promovi uma sessão com projeção do filme sobre os acontecimentos, seguido de debate, tendo convidado dois chilenos que estavam exilados em Portugal para comentar o filme. Num organismo público, não me recordo qual, solicitei as bobines e uma máquina para projetar o filme.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Recordo passo-a-passo o que foi este dia e os que a ele se seguiram. Eu não passava de um jovem que se tinha aventurado a viver o seu projeto sozinho para fugir da miséria e ambiente, vindo de uma família desestruturada, que cresceu em ambientes degradantes, sem cultura e sem formação que lhes permitisse compreender a dimensão do que estava a acontecer. Associei-me ao movimento revolucionário, ainda sem qualquer influência partidária, recordo-me da festa com milhares de pessoas no 1 de Maio de 1974, que foi a todos os níveis uma grande união da população sem partidarismos. No ano seguinte, já com os partidos organizados, o PCP tentou impedir a entrada para as bancadas no Estádio 1 de Maio de outros dirigentes partidários.

Também eu tinha a aderido a uma organização juvenil partidária, ou não fosse eu um jovem ambicioso e dinâmico que tinha decidido aos 17 anos seguir o seu próprio caminho, contrariando tudo o que era previsível, o que, infelizmente, acontecia à maior parte dos jovens criados neste “tipo” de famílias. Era normal nessa época os jovens não conseguirem alterar significativamente o seu modo de vida à nascença, nascia-se e morria-se sem cultura, na maior parte dos casos continuavam a viver sem acesso às coisas mais básicas, como a higiene, o seu destino após a instrução primária era o trabalho sem quaisquer espécie de direitos e dignidade. Eu acreditava que com trabalho era possível construir um futuro digno. Foram dias, semanas, meses e anos que vivi intensamente o processo revolucionário e a consolidação da democracia,

Também acreditei que estava a lutar por uma causa comum: o direito a construirmos o nosso futuro, um futuro onde não houvessem mais crianças com fome e sem os mínimos de condições básicas, como habitação, saúde e educação. E foi assim até 1982: estive presente em todos os acontecimentos, que nos primeiros anos eram diários e onde a revolução era seguida pela rádio. A imprevisibilidade era uma constante, tudo podia mudar numa fração de horas. A revolução estava na rua, os governos caíam, as manifestações eram diárias. No primeiro ano o PCP tomou tudo de assalto. Rádios, jornais, sindicatos, autarquias e tudo o que representava algum poder.

Todos os que se opunham aos seus métodos eram de imediato rotulados de fascistas. O medo, o terror instalou-se nessa altura.

Até ao 25 de Novembro de 1975, viveram-se momentos dramáticos. O perigo de regressarmos a uma nova ditadura sobe o patrocínio da URSS preocupava todos os democratas e, felizmente, tivemos homens à altura dos acontecimentos que encabeçaram a luta pela liberdade e democracia. Nunca esquecerei um em particular, que segui como se um Deus se tratasse. Se hoje vivemos em democracia e liberdade, a eles devemos.

Dediquei uma boa parte da minha juventude em prol daquilo em que acreditava. Os primeiros anos foram de mobilização geral da população. Todos acreditavam que estavam a lutar por um bem comum e a desmobilização só se deu quando perceberam que estávamos a ser usados para que alguns tomassem o poder apenas com o único objetivo de satisfazerem os seus interesses pessoais. Hoje temos uma classe política nascida nas jotas que viveram toda a vida à sombra do chapéu do Estado e que nunca fizeram mais nada na vida.

Enquanto me dediquei à política passei por comissões de moradores, onde tive que enfrentar estalinistas que pretendiam criar tribunais e milícias populares, tendo sido expulso num processo “pidesco”.

Cheguei ser eleito por uma assembleia partidária para encabeçar uma lista às primeiras eleições autárquicas, em Queluz, tendo posteriormente a ordem sido alterada por responsáveis distritais. Mais tarde acabei por aceitar e compreender, era demasiado jovem para assumir um lugar público de grande responsabilidade , o novo alinhamento excluía-me de uma eventual eleição a presidente que veio a acontecer.

A nível partidário fiz o meu percurso dentro da organização juvenil em que me tinha inscrito, tendo sempre sido eleito para os secretariados locais e direção de organismos concelhios. Foram encontros, congressos, reuniões por todo o país, nessa altura não havia fins de semana nem férias para a política.

Estive empenhado no movimento sindical democrático, nomeadamente no movimento Carta Aberta, que deu origem à UGT. Convivi com todos esses sindicalistas. Recordo Torres Couto, Secretário Geral, e António Janeiro, do SITESE. Assisti a assembleias sindicais no Pavilhão dos Desportos que mais pareciam batalhas campais, onde dirigentes tinham de fugir da mesa pela porta dos fundos. Existiam especialistas em assembleias-gerais, para controlar, manipular e desgastar quem estava presente, a maior parte das vezes com muito êxito. Só quando tinham um resultado garantido a assembleia terminava.

Fui delegado sindical, sempre reeleito, defendi colegas mesmo não concordando com as suas opiniões, assumindo a sua dor. O que mais me revoltava quando os defendia era a sua cobardia em negar perante a gerência tudo o que tinham afirmado anteriormente.

Estive no primeiro encontro nacional de Jovens Trabalhadores da UGT, integrei o grupo de 13 jovens portugueses ao encontro mundial de jovens trabalhadores, organizada pela CISL (Confederação Internacional de Sindicatos Livres), que contou com a presença de Zeca Afonso nas noites culturais.

A nível internacional participei ativamente nas lutas contra a condenação à morte, por Franco, dos revolucionários Carmendi e Otaegi, participei em Sevilha em manifestações pela liberdade. Estive na Embaixada de Espanha, numa manifestação que era suposto ser de protesto contra a condenação à morte dos revolucionários espanhóis e que acabou da pior forma, com arrombamento da porta, destruição e mobiliário a ser atirado pelas janelas, tudo isto com a presença da PSP que nada fez. Ainda me atrevi a gritar para não arrombarem a porta mas o efeito das multidões é imprevisível. Mais tarde o Estado português, como era previsível, foi obrigado a pagar os prejuízos.

Na defesa da liberdade de imprensa estive envolvido nas lutas nos casos dos jornais Diário de Notícias, Capital e República. Na Emissora Nacional fomos recebidos com gases lacrimogénios e G3 apontadas, cheguei a temer pela vida, não por ser um herói – mas nestas idades acreditamos que somos imortais. Durante um largo período tive de ser acompanhado a casa. As ameaças eram reais e eu era um perigoso “fascista”, igual a todos os que não aceitavam numa ditadura e denunciavam os atropelos à Liberdade e Democracia nos espaços públicos. Numa das vezes tive de ser protegido pelo MFA que me levou para o Quartel de Queluz, de onde só saí acompanhado por um grupo de democratas.

Comecei este texto com a questão: “Onde estavas no 25 Abril?“ penso que esclareci mais do que isso. Hoje pergunto-me a mim mesmo onde estou e a resposta é mais difícil. Sinto que vivo numa sociedade de extremos onde não cabem indivíduos como eu. Onde predomina a ditadura do politicamente correto, os extremismos tomaram conta da sociedade. Se os extremistas de esquerda que teoricamente lutam contra a extrema direita percebessem que são o alimento da extrema direita teriam outro tipo de comportamento. Ou não…

Acredito que se não existisse o Bloco de Esquerda, possivelmente o Chega nunca teria nascido. O Chega faz aqui a função de contrapoder. Se analisarmos os ideais da extrema direita e da extrema esquerda, verifica-se facilmente que existem muitos pontos de contacto.

Desde 2015 que temos um governo com apoios impensáveis antes de António Costa. Toda a história do Partido Socialista foi construída na base da Liberdade e Democracia pelo que não se compreendem estas alianças. No meio de tudo isto o PCP acaba por ser o partido mais honesto. Nunca enganou ninguém: todos sabem quais são os seus ideais, que o seu maior suporte é a CGTP, que o seu ideal de sociedade (que não esconde) são as ditaduras comunistas… Respeito o Jerónimo e não me custa aceitar que defenda projetos com os quais me oponho totalmente, mas que que são claros.

O Bloco é um cocktail de ideologias. Uma das varias correntes do Bloco foi a UDP que na década de 70 tinha como modelo de sociedade a Albânia, um dos países mais pobres da Europa. Este cocktail pode de um momento para outro explodir. A Catarina parece estar sempre à procura de um repórter de imagem e som. Tudo promete, presumo que sempre que vai ao WC vem com mais uma proposta. Não acredito que saiba governar uma casa.

Acredito no projeto Europeu que apoiei desde a primeira hora, lamento que os atuais políticos europeus não estejam à altura, é lamentável que os governantes europeus culpem sempre a Europa da sua incompetência quando as suas políticas nacionais falham e não sejam capazes de reconhecer o contributo indispensável ao desenvolvimento comum. Recordo alguns políticos visionários como Simone Veil, primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu, Robert Schuman, que esteve no início do projeto para a promoção da unificação da Europa. Helmut Koll, François Mitterrand, Jacques Delors. O discurso é sempre o mesmo, a culpa é da Europa, pergunto-me muitas vezes o que leva estes políticos a este tipo discurso, só encontro uma explicação, por muito que me esforce: contam com a falta de informação que cultivam, não é novidade que a melhor forma de manipular o povo é cultivar a desinformação, esta técnica foi e continua a ser usada não só pelas ditaduras, que procuram sempre um inimigo externo, como por algumas “democracias”

Gostava de ver Portugal como um parceiro na construção do projeto Europeu e não como um pedinte sempre de braço estendido. A Europa é sinónimo de Liberdade, Democracia, Desenvolvimento e Paz. Não podemos, nem devemos esquecer que este foi o maior período de paz na Europa.

Sei que cada vez estou mais isolado neste consenso do pensamento dominante, hoje a minha luta não é pela liberdade e democracia é contra a corrupção e toda a espécie de extremismos. Sempre acreditei no diálogo, na paz e no exemplo que devemos dar. Assim procedi em todas ocasiões, nas minhas relações pessoais, na condução de equipas de trabalho, no relacionamento familiar e na educação dos filhos,

25 de Abril, Liberdade, 25 Novembro de 1975, Democracia, 12 Junho de 1985 início do desenvolvimento económico.

Viva o 25 ABRIL, viva a Liberdade, viva a Democracia.