Entre adeptos de futebol é comum afirmar que mais depressa se muda de mulher do que de clube, tamanha é a lealdade e imutabilidade dessa ligação. Nas canções do Sporting, o nosso clube é a nossa vida, a nossa paixão e o nosso amor, sem o qual não poderemos viver. São essas canções, cantadas de pais para filhos, antes dos filhos saberem sequer falar, entoadas mais tarde em coro com amigos e desconhecidos, que fazem nascer essa magia, passada de geração em geração, de um sentimento especial e intangível, por um clube de futebol, por aquelas cores, por aquele símbolo, por aqueles valores, por aquela história. Um sentimento sedimentado ao longo de uma vida, regado por centenas de momentos de tristeza e alegria, vividos com amigos e familiares, entre abraços e sorrisos, por vezes até entre lágrimas.

Essa energia movimenta-se ao sabor das derrotas e das vitórias, mas está sempre lá. Todos os anos assistimos à construção da equipa, admiramos e criticamos os jogadores, que muitos sonharam ser, e acompanhamos atentamente cada jornada, acreditando sempre na vitória. Quando a equipa tem talento, união, capacidade de sacrifício e liderança as conquistas aparecem. Saem do suor dos jogadores, mas passam para os corações dos adeptos, despertando uma energia adormecida, acordada pelo sabor da vitória.

Mas nem todas as glórias têm a mesma história. Depois de 19 anos à espera e de começar a época com 3% de probabilidades de vencer o campeonato, este triunfo teve um sabor especial. No dia da conquista, por momentos, esse elixir fez muitos esquecerem-se dos seus maiores problemas, até mesmo da pandemia. Fez quase todos reunirem-se com os seus e abraçarem-se num canto uníssono de campeões.

Mas não foi só o tempo e as probabilidades que tornaram esta vitória especial. Foram também as circunstâncias e os protagonistas. Foi uma vitória limpa, sacada a ferros, de uma equipa com muito talento da formação, minuciosamente reforçada, liderada por um colossal capitão e por um treinador terra a terra, capaz de incutir nos jogadores o espírito de onde vai um vão todos, da união que faz a força, sem nunca falar de boca cheia, sem nunca encher o peito, demonstrando que se pode vencer conjugando ambição com humildade, humor com honra e mérito com vitória, sem se precisar de certificados passados por ordens burocráticas.

Quem jogou futebol, sabe quão isso é importante. Sabe também quão fascinante é jogar futebol. Naqueles instantes todo o mundo desaparece, todos os problemas se apagam, e o corpo e a alma dedicam-se por inteiro a uma bola que gira e salta. Quem jogou futebol, sabe que, no campo, sozinhos não somos nada, mas juntos somos fortes. Jogo a jogo, o Rúben e os seus jogadores demonstraram isso e foram derrotando todos obstáculos. Cada vitória foi fazendo valer a pena os sacrifícios anteriores, feitos em prol de uma missão, a conquista do campeonato nacional, na qual acreditaram, embalados pelo verde da esperança. “Vamos lutar jogo a jogo”, “e se corre bem?”, dizia Rúben no dia da sua apresentação, a 5 março de 2020, apenas 2 semanas antes de ser decretado o primeiro estado de emergência.

Num dos seus discursos para a equipa, Frederico Varandas disse que nunca tinha visto um grupo assim. Eu também não. Por isso desejo que este grupo se mantenha intacto, para que no próximo ano nos possa dar mais alegrias, desta vez com os adeptos no estádio, demonstrando-nos porque não devemos ficar em casa. Sim, eu sei, os holofotes e o dinheiro vão girar, mas sem paixão, sem magia, sem sentimento, sem espírito de equipa e de pertença, nada disso tem valor. E nada terá mais valor do que a história de um grupo de Leões que contra tudo e contra todos um dia se sagraram bicampeões.

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