José Sócrates, vestido com um fato de treino azul, parecia relaxado e de bom humor. Antes de começar a entrevista, e depois de inquirir junto da equipa de Oprah qual o ângulo em que ficaria melhor nas imagens, apontou o Atlântico que se estendia sem fim à sua frente: “É daqui que retiro a minha força contra a velhacaria e a convicção de que lutar vale a pena. Nestes casos, até a solidão ganha beleza. Como diz o nosso poeta Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. E a minha alma é enorme, do tamanho do Atlântico”.

Sr. ex-Primeiro-Ministro, esta entrevista é para conhecer a sua verdade sobre o processo que lhe moveram. Eu gosto de ouvir a verdade que cada um traz consigo. É a verdade mais verdadeira que há.

Ah, o processo! Como notou a minha grande amiga, a Presidenta Dilma, é kafkiano. Como sabe, aquela característica de certas situações humanas que levou o escritor, que gostava de escrever sobre elas, a usar o pseudónimo de Kafka, seguindo o exemplo do Dante e do Sade. Toda aquela história de eu ser corrupto e receber dinheiro para fazer favores é uma vergonha sem nome. E tudo aquilo de que me acusam tem uma explicação simples, que até uma criança pequena entende. Os meus amigos reconhecem-me como um ser superior. Têm uma grande admiração por mim, algo que eu lhes perdoo, até porque me conheço bem e os compreendo. Retribuo o gesto aceitando as pequenas ofertas que me fazem. E eles ficam felizes. A mesquinhez dos meus inimigos não percebe isso.

Tem muitos inimigos?

São poucos, mas poderosos. E constantemente manobram na sombra, os velhacos cobardes. Construíram uma narrativa e não se cansam de a explorar. A infâmia dessa gente, a sua torpeza, não tem limites. A ignomínia é o dia-a-dia dos meus inimigos. A prática hedionda da calúnia, da difamação e do insulto está-lhes na massa do sangue. Sou, sem dúvida, o maior mártir da democracia. Enfim, houve outro, há muito tempo, que também sofreu muito e teve de tomar cicuta. Mas a isso eu recuso-me. Para ser sincero, parece-me uma cobardia. Mesmo quando alguns antigos camaradas de partido me visitaram em Évora e me aconselharam o veneno. Eu luto até ao fim. (Pausa.) Pediram-me, sim, que me envenenasse.

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Oh, eles disseram-lhe isso, gente da sua própria família política? Gente que o seguiu cegamente e que nunca lhe poupou elogios quando estava no poder?

É triste, não é? Disseram, sim. Particularmente um, cujo nome prefiro omitir, porque, se o dissesse, havia um tal barulho que deixaria até os chineses atordoados. “À política o que é da política, à cicuta o que é da cicuta.” E não ficaram por aqui. Em conluio com a direita, inventaram esta coisa da Covid para que as pessoas não me ouvissem, para que eu não estivesse dentro do coração delas. Inventaram tudo e mais alguma coisa para distraírem os Portugueses. Todos os crimes à facada e à caçadeira de que fala a televisão do Correio da Manhã. A criança que cai no poço. O velhote que desaparece de casa. Os anúncios a aparelhos auditivos. A namorada do Ronaldo. A vinda de Jesus para o Benfica. O Bruno do Sporting. Alcochete. Todos os casos de violência doméstica. Os incêndios. As selfies do Presidente. Tudo isso inventado para desviar as atenções e para que ninguém me ouvisse. Até a gravidez da Teresa.

A gravidez da Teresa?

De todas as Teresas. E não só. Até a Oprah foi enganada, permita-me que lhe diga…

Eu, enganada?

Acredita mesmo na história do Megxit? Foi por minha causa.

Mas eu estive com ela, entrevistei-a como o estou a entrevistar a si, contou-me a verdade dela…

Tem a certeza que era ela? Aconselho-a a fazer as perguntas certas ao juiz Carlos Alexandre. Mas proteja-se, senão ele prende-a.

É horrível. Mas há pessoas, como o juiz Ivo Rosa, que compreendem a sua posição…

O juiz Ivo Rosa é o mais perspicaz dos juízes portugueses. Talvez mesmo o mais perspicaz de todos os Portugueses, com a minha excepção. Sabe distinguir o trigo do joio e provou que a acusação era toda feita de joio. Não é perfeito, é verdade. Não compreende, por exemplo, os elevados patamares a que a amizade se pode alçar. Mas eu tenciono explicar isso de forma definitiva. Talvez até escreva um livro sobre a amizade. No fundo, eu sou um reflexivo que escolheu a via da acção e que experimenta constantemente a nostalgia da reflexão. E quem melhor do que eu conhece o valor da amizade? Mas é verdade que Ivo Rosa percebeu que quem não gosta de mim não é de confiança e que quem trabalhou sob as minhas ordens e de mim dependeu merece a confiança toda. O que, depois de dito, deve parecer uma evidência a toda a gente.

Tudo aquilo por que passou deve ter sido terrível…

Senti muito a pressão dos medíocres que não suportavam que eu fosse nobre e carismático e que a minha família tivesse, desde há várias gerações, uma imensa fortuna. A inveja que suscitei foi intensa. Foram calúnias atrás de calúnias, infâmias a seguir a infâmias. E, nessa altura, nem imaginavam que eu sabia escrever livros que esgotavam nas livrarias. Imagine que até houve uma pessoa que gostou tanto que os comprou quase todos. Uma pessoa de sólido juízo, acrescento. Sabiam que era engenheiro, que falava inglês e que construía casas, mas não sabiam que podia escrever livros e até dissertações em francês. Sabe, Oprah, sou praticamente um homem do Renascimento. Até fui eu que escolhi a dedo a decoração da casa em Paris do meu amigo Carlos Santos Silva, das estantes à cor do soalho. Mesmo os livros para se verem nas prateleiras fui eu que escolhi. Só isso pagava o empréstimo que me fez. Os velhacos não suportam isto.

Como arranjou em si força para resistir a tudo?

Como dizem aqui em Portugal, sou um animal feroz. Não sou manso com difamações e calúnias. Mansos são as tias dos outros. E todos os dias encontro junto das pessoas encorajamento e incentivo. Sempre que estou a passear aqui à beira-mar, os carros que passam buzinam sem parar e os condutores animam-me, com gestos frenéticos que vejo ao longe, para as batalhas belamente difíceis. Quer maiores incentivos do que estes?

Deve ser difícil não pensar em voltar à política activa, com tantos apoios. Estou a pensar no mais elevado cargo a que pode aspirar…

Sabe, Oprah, tenho reflectido muito. Pratico muito o diálogo interior comigo mesmo. É a definição do pensamento de Platão, um autor ao qual me sinto muito ligado. De facto, foi ele que me despertou para a filosofia. Mas vou directo à sua pergunta. A questão que me coloco é a de saber se os portugueses precisam de mim. Ou, dito de outra maneira, se precisam de um líder nobre e carismático. E, confesso-lhe a si em primeiro lugar, sinto que me querem desesperadamente e a minha tendência, uma tendência fortalecida por uma reflexão amadurecida, é dar-lhes essa alegria. Foi essa ideia que pôs, há alguns anos, a direita em pânico. Pois bem, é a altura de a direita sentir esse pânico de novo. O animal feroz está de volta.

De qualquer maneira, poderia retomar a sua carreira política noutro lugar. Poderia atravessar este belo Atlântico que tanto o inspira. Tenho a certeza que o Joe apreciaria imenso os seus conselhos. Poderíamos até ser vizinhos. Sei que a Ellen e a Portia vão vender a mansão delas à beira da minha. É um bocado cara, mas…

Sabe, o dinheiro nunca foi problema para mim… E é curioso o que me sugere. Como dizia outro grande carismático, Veni, vidi, vici. Também eu posso vencer em qualquer lado. E nem preciso sequer do vidi. Para certos seres excepcionais como eu, ver é perder tempo. Na Covilhã, quando era novo, até era conhecido por Venivici. “Venivici, preciso da tua ajuda para uma coisinha”, era sempre assim. Chego e venço de olhos fechados. E gostaria imenso de ajudar o Joe, tal como, tenho a certeza, ele gostaria que eu o ajudasse com toda a minha experiência. E talvez a Amanda Gorman me pudesse ajudar a transformar-me num poeta célebre. Dou-me bem com certas colaborações… Mas primeiro está Portugal. Sinto o desejo dos portugueses em me terem de volta. Sinto o amor, a atracção, a admiração. Quero acabar com o ódio neste meu país. E quero arrasar os velhacos. Fazê-los morder o pó da derrota à vista de toda a gente. Destrui-los para todo o sempre. Enfiar-lhes a cicuta pela goela abaixo. Sobretudo ao cicuteiro e aos cicuteirinhos que me queriam cicutar a mim.

Quem sabe, então, talvez um dia… Mas voltaremos, sem dúvida, a encontrar-nos.

Certamente! Mas, entretanto, deixe-me que lhe diga quanto gostei de falar consigo. Foi porreiro, Oprah!