O Orçamento do Estado é sempre um exercício de previsão. No atual contexto, em que vivemos uma segunda vaga da pandemia covid-19, o orçamento é elaborado num contexto de enorme incerteza. A evolução da economia vai depender da evolução da pandemia. E a evolução da pandemia, até ao surgimento da vacina, é imprevisível. Vários países europeus, como a vizinha Espanha, estão a repor medidas de confinamento em grandes cidades.

O primeiro-ministro tem declarado, e a meu ver bem, que os custos sociais e económicos de um novo confinamento seriam insuportáveis. Todavia, mesmo sem novo confinamento, o aumento de casos positivos de covid-19, como tem acontecido nas últimas semanas, pode ter um efeito muito negativo sobre a atividade económica. O prolongamento da crise e a recuperação da economia estão assim rodeadas de grande incerteza.

Ainda sem a vacina, em 2021, as economias vão continuar a sofrer um duplo choque, da oferta e da procura. As medidas de quarentena e de isolamento profilático vão afetar uma parte significativa dos trabalhadores e limitar a capacidade produtiva das empresas. Por outro lado, o distanciamento social e o medo de contágio, associados à perda de rendimento e à incerteza, vão continuar a condicionar o consumo das famílias. Com capacidade produtiva disponível as empresas também serão contidas nas suas decisões de investimento.

Na proposta de orçamento para 2021, o governo assume uma recuperação forte da economia, em V, com o PIB a crescer 5,4% (-8,5% em 2020) e o desemprego a ficar pelos 8,2% (8,7% em 2020).

O otimismo do governo é também visível na sua previsão de uma balança comercial superavitária (0,1% do PIB) em 2021. Esta previsão deverá ter subjacente uma forte recuperação do turismo. Ou seja, parece assumir-se que a pandemia estará controlada no próximo Verão.

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Nas previsões do governo, a forte recuperação da economia vai permitir um forte crescimento da receita corrente (7,4%). A receita beneficia também da transferência do Fundo de Recuperação e Resiliência, que contribui para um crescimento da receita total de 9,1% em 2021.

O aumento da despesa pública é relativamente contido (3,9%) e resulta numa redução do peso da despesa no PIB de 49,9% em 2020 para 47,8% do PIB em 2021. A relativa contenção no aumento da despesa reflete a situação de fragilidade financeira do país. O reconhecimento dessa fragilidade ficou evidente nos dados da execução orçamental do primeiro semestre, com um défice de 5,4% do PIB. E foi também confirmado pelo anúncio do primeiro-ministro de que não pretende utilizar os empréstimos previstos no Fundo de Recuperação e Resiliência.

Assim, a redução do défice orçamental de 7,3% em 2020 para 4,3% do PIB em 2021, e da dívida pública de 134,8% para 130,9% do PIB, dependerá da arrecadação de receita prevista. E esta dependerá do crescimento económico, que por sua vez dependerá do controlo da pandemia.

Keynes mostrou que num contexto de grande incerteza, de contração do consumo e do investimento privado, o Estado, através do investimento público, pode colmatar a falta de procura. O Fundo Monetário Internacional veio lembrar a semana passada a eficácia daquela receita no atual contexto. São, por isso, positivas as medidas de investimento anunciadas no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, bem como o anunciado aumento do investimento público em mais de 30%. As eleições autárquicas de 2021 também darão certamente um contributo para animar a economia. No entanto, é fundamental que o investimento público seja socialmente útil e contribua para a eficiência da economia.

As medidas de apoio ao rendimento das famílias, para além de serem socialmente essenciais, serão medidas eficazes no estímulo da procura se forem dirigidas àqueles que perderam o emprego ou viram os rendimentos familiares diminuídos. O novo apoio social aos trabalhadores que perderam o emprego e que não estavam protegidos pelo subsídio de desemprego é assim uma medida acertada. Protege um grupo socialmente muito vulnerável e contribui para estimular a procura.

A redução da retenção de IRS na fonte corrige uma situação deveras irregular das finanças públicas portuguesas, com desvios significativos entre o imposto pago e o imposto devido. Em 2021, as famílias terão mais rendimento disponível. Em 2022, receberão menos reembolsos. Para as famílias de rendimentos mais elevados, em que os reembolsos serão mais significativos, se se mantiver a ambiente pandémico, não são de esperar efeitos significativos dessa medida no consumo. O Estado perderá uma fonte de financiamento suportada pelos contribuintes.

Na forma como está desenhado, o orçamento para 2021 parece uma extensão do Plano de Estabilização Social e Económica, que acompanhou o orçamento suplementar de 2020. As medidas apresentadas visam sobretudo estabilizar os rendimentos das famílias e manter a estrutura existente nas empresas. Num contexto de acelerada mudança é fundamental dar condições às empresas para se adaptarem. Dificultar os despedimentos não será a melhor forma de o fazer. Faltam medidas para as empresas que sinalizassem a entrada numa nova fase, a fase de recuperação económica, assumida no cenário macroeconómico.

Finalmente, uma das questões que suscitava mais curiosidade neste orçamento era a do tratamento que seria dado ao financiamento do Fundo de Resolução, necessário para fazer face ao mecanismo de capital contingente previsto no acordo de venda do Novo Banco. Ficámos a saber que não consta nenhuma verba no orçamento. O governo terá certamente na manga uma solução para dar cumprimento a um contrato que ele próprio acompanhou e apresentou publicamente.

Post Scriptum: Compromissos de índole académica entretanto assumidos impedem-me de continuar a minha colaboração com o Observador. Agradeço ao José Manuel Fernandes ter-me proporcionado a experiência estimulante de escrever semanalmente sobre economia para um público muito alargado. Agradeço também aos leitores que seguiram a minha coluna no último ano.