O Orçamento de Estado para 2023 é o tema do mês, do ano, e, provavelmente, dos próximos anos, pelas marcas indeléveis que vai deixar em todos os portugueses a nível económico, social e sobretudo humano.

A sociedade adormecida parece esquecer as semelhanças com períodos homólogos, como se estes tivessem acontecido há muito tempo! Todavia, a curta memória dos portugueses contrasta com a nossa história recente, que nos demonstra como são cíclicos os problemas de liquidez em Portugal e como têm sido recorrentes os programas de assistência financeira do FMI. E foram já três os pedidos de ajuda.

Em 1977, Portugal depauperado fez o primeiro pedido de ajuda financeira ao FMI. Como contrapartida foi forçado a aplicar um pacote de austeridade que levou à subida das taxas de juro, a restrições à concessão de crédito, à depreciação da taxa de câmbio e cortes orçamentais e à imposição de uma redução dos salários. Em 1983, confrontado com uma taxa de desemprego acima de 11% e com uma dívida externa superior a 20%, Portugal pediu, novamente, ajuda financeira ao FMI. Este impôs, entre outros, cortes saláriais na função pública, aumento dos preços, travar o investimento público e cortar subsídios de Natal. Em 2011, endividado, sem condições de se financiar, e a braços com uma crise política, Portugal volta a pedir assistência financeira ao FMI. E é o novo governo, liderado por Pedro Passos Coelho, que executa as rígidas condições: rápida redução do défice orçamental e do PIB, plano para privatizar empresas, acabar golden-share da PT, reformas liberalizadoras e reestruturação do setor financeiro.

Nos últimos 45 anos Portugal tem vivido assim, deambulando entre depauperado, endividado, taxas de desemprego elevadas, dívida externa galopante e incapacidade de se financiar. Só superou as dificuldades com a ajuda financeira do FMI, mas também por via da adesão à CE (1985) que lhe trouxe milhões em fundos, que acabaram por esbater a realidade do país. Duas das três vindas do FMI a Portugal ocorrem em governos liderados por Mário Soares e a terceira por José Sócrates. Os três pedidos de ajuda ao FMI tiveram em comum a situação miserável do país que não se conseguia financiar devido a uma dívida galopante. Em todos esses momentos os governos tentaram resistir de forma obstinada e não reconhecer a real dimensão do problema. E quem perdeu fomos todos nós.

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Ninguém guarda boas memórias das medidas de austeridade, mas a verdade é que dificilmente podia ser de outra maneira porque as recidivas mostravam que Portugal não tinha aprendido a lição. Triste sina a nossa e a do nosso país. A incapacidade e incompetência de uns é paga por outros, sempre os mesmos. E ao invés de aprendermos a lição, somos como aquele aluno cábula, sempre pronto para fazer batota e ludibriar o professor.

Chamei aqui à colação estes três momentos da história recente do nosso país porque vivemos uma situação muito semelhante, com o governo a apresentar um orçamento de estado que percebemos ser insuficiente e ficar muito aquém daquilo que é necessário fazer! Vemos Fernando Medina empenhadíssimo nas contas certas e em reduzir a dívida e o défice, mas a descurar que as medidas rígidas que determina vão recair sobre as pessoas. E nada é explicado. Não explicou que a inevitabilidade da antecipação de 50% dos aumentos das reformas previstos para 2023 vão penalizar parte dos pensionistas em sede de IRS. Não explica que o limite de 2% nos aumentos das rendas deixou fora da compensação IRS/IRC os arrendamentos de 2022. Não explica que as empresas que aumentem os colaboradores dificilmente terão acesso à recompensa em sede IRC, tanta é complexidade e burocracia dos processos. Não explica porque privilegiar o crescimento das PME’s implica criar mais taxas, penalizando o lucro. Simplesmente não explica!

É o empobrecimento da classe média. A corda está esticada, as pessoas não aguentam mais. Porque vêm de um período de retração, mercê de dois anos de pandemia, e entraram em 2022 com uma guerra e uma inflação que escala níveis muito superiores aos previstos pelo governo, e arrasta tudo.

Cuidado: não vale tudo e a qualquer preço! O Orçamento de Estado está desajustado da realidade – quanto mais daqui por dois meses! –, falta-lhe verdade, coluna vertebral, reformas e algum arrojo político. Ai Portugal, contas certas? Até quando vais sucumbir ao canto da sereia?