A aprovação do orçamento português 2016 por parte das autoridades europeias é mais do que condicional. Independentemente da ideologia de cada um, independentemente da fé de cada um sobre a bondade dos pressupostos da execução orçamental, independentemente do que cada um pense sobre o poder de Bruxelas em relação ao orçamento português, há uma realidade absoluta, indesmentível, que cada um, e todos, terão de ter em conta:

O escrutínio sobre as contas públicas nacionais vai ser este ano maior do que no passado recente; a desconfiança relativa à capacidade do nosso país cumprir as regras europeias e de prosseguir o caminho da consolidação orçamental é real, não provém de nenhuma cabala ou campanha de comunicação; um falhanço ou derrapagens substanciais em relação às metas do défice terá consequências graves para Portugal.

Estas ideias não constituem em si mesmo nenhum ataque ao governo, ao rumo político escolhido, contra a austeridade, à estratégia económica definida de proteger os rendimentos, privilegiando nos cortes despesas específicas e impostos indiretos. Mas é um facto que Portugal recebeu de Bruxelas uma aprovação com reservas, que mais não é do que uma pena suspensa: um Sim, mas…

Não se trata de uma derrota do governo, como muitos apregoam, pelo facto de ter sido obrigado a ceder em inúmeros pontos, o que o próprio primeiro-ministro já reconheceu ao referir nomeadamente que o orçamento inicial era muito melhor (ai a TSU, sempre a TSU!). Mas também não é o “sinal de confiança internacional” que António Costa afirmou ser.

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É bom que se diga, e se diga em voz alta, que a decisão da Comissão Europeia de não exigir a apresentação de um novo orçamento é uma boa notícia para Portugal (para quem acha que as boas notícias para Portugal são boas independentemente de quem as traz). Mas é essencial que se diga também que as reservas suscitadas, e em particular o facto da Comissão europeia considerar que o orçamento está em risco de incumprimento das provisões do Pacto de Estabilidade e Crescimento, tornam mais exigente o cumprimento dos objetivos fixados.

Portugal fica sob um duplo escrutínio europeu: o decorrente do procedimento por défices excessivos, de que não deveremos sair antes de 2017 e que limita o margem de manobra orçamental do nosso país; e o que foi decidido implementar como forma de avaliar até que ponto Portugal respeita o compromisso de ajustamento estrutural, propondo a Comissão uma nova avaliação, provavelmente em Maio. E o que mais importa na opinião da Comissão europeia, nem são tanto as consequências diretas no âmbito da União Europeia, apesar da sua importância; mas são sobretudo os efeitos sobre os “famigerados” mercados, fazendo disparar os custos da dívida portuguesa: é a ameaça pendente, qual espada de Dâmocles, da diminuição do rating da República por parte da DRBS, a agência decisiva para o nosso financiamento junto do BCE; e é a imagem do país junto dos investidores internacionais, muitos dos quais – isto é factual, acreditem – suspenderam ou (alguns) já abandonaram os seus projetos de investimento em Portugal face aos “rumores” (chamemos-lhes assim) de “syrização” do país (manifestamente exagerados, é certo, mas tão reais como os rumores podem ser).

A pena está pois suspensa. Em caso de nova prevaricação, ela cairá, inexorável, sobre o país; sobre os portugueses. E que pena é essa? O aumento dos juros, o agravamento das condições de financiamento à economia, a necessidade de nova ajuda externa. Dito de outra forma: uma espécie de regresso à estaca zero. Nova e maior austeridade. Mais sofrimento.

E por isso mesmo faz muito bem o Ministro das Finanças, Mário Centeno, em ser “muito, muito exigente com as contas públicas”. Resta saber se essa exigência será suficiente, caso o efeito da (reduzida) devolução de rendimento aos portugueses não resulte num substancial aumento do crescimento económico. Com as medidas adotadas, que não são nem de perto nem de longe o que inicialmente se previra (ai a TSU), é difícil perspetivar um ciclo virtuoso na economia. Se não acontecer, como crê (e parece desejar, infelizmente) parte da sociedade portuguesa – a metade direita da direita, diria eu -, a prevaricação é inevitável, seja sob a forma de incumprimento das metas orçamentais, seja de um agravamento das condições económicas, com aumento de impostos.

Mas se pelo contrário resultar, se a execução deste orçamento levar de facto ao aumento da justiça social; se, por outro lado, o crescimento for de 1,8% e o défice se ficar pelos 2,2%, como previsto; se a Comissão europeia validar a execução orçamental de 2016, então o governo estará de parabéns, e com ele o país e os portugueses. Nem todos serão capazes de lhes dar esses parabéns, mas essa não é a questão principal. A questão principal, como sempre, é a do equilíbrio.

Entre ideias feitas e expectativas desfeitas, o processo orçamental simboliza o difícil equilíbrio entre o que (o governo) prometeu, ao que (o governo) se comprometeu e aquilo que (o governo) terá de fazer. António Costa está preso, por assim dizer, entre promessas e compromissos. O que prometeu aos seus apoiantes BE e PCP e o que dessas promessas entenderam os portugueses; ao que, afinal, acabou por ter de se comprometer a fazer, em função dos compromissos europeus; o que os seus (referidos) apoiantes lhe quiserem agora exigir, em nome das (incumpridas) promessas; e o que, finalmente, acabará por poder e (talvez) realizar. Da bissectriz de todas as promessas, compromissos, expectativas e realidade (ai a TSU) resultará traçado o caminho e determinado o futuro próximo do país, do governo, de António Costa e dos seus ministros.

O primeiro-ministro tem pela frente uma tarefa difícil. Sabia-se que este exercício orçamental seria exigente e complexo, talvez não se supusesse que obrigasse a baixar tanto as expectativas, mantendo ainda assim gritantes os riscos de insucesso.

Sol na eira e chuva no nabal são objetivos respeitáveis, mas convém que o sol não queime o trigo e a chuva não afogue os nabos.