Expirou o prazo de 13 de julho para os municípios procederem à incorporação nos planos territoriais municipais, entre os quais os PDM, do conteúdo urbanístico dos planos especiais de ordenamento do território (planos de ordenamento de áreas protegidas, planos de ordenamento da orla costeira e planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas).

Na prática, os municípios com áreas protegidas, frentes costeiras ou albufeiras de águas públicas com planos de ordenamento estão obrigados a incorporar nos seus planos as regras de edificação desses planos especiais. Caso contrário, a Administração não poderá opô-las aos interessados aquando do licenciamento de operações urbanísticas.

É suposto encontrarem-se em curso largas dezenas de procedimentos de alteração de planos municipais para acomodar o conteúdo urbanístico de 25 planos de áreas protegidas, 5 planos de ordenamento da orla costeira e 50 planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas, os quais deixarão de vincular diretamente os particulares a partir do dia seguinte ao prazo fixado para as transposições.

É verdade que muitos serão os municípios que não integrarão o pelotão da frente deste processo, sujeitando-se à suspensão das normas municipais pelas CCDR e do direito de acesso a fundos comunitários e nacionais, e à concomitante inibição de licenciamento de operações urbanísticas nas áreas comuns a planos municipais e a planos especiais. Tudo isto até que a incorporação aconteça, por obra e graça de… alguém. Outra parte dos municípios poderá dizer que cumpriu ou que está prestes a cumprir com as suas obrigações, tendo ajustado ou até revisto em devido tempo os seus planos.

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A elaboração dos novos planos especiais, agora designados de programas, é a outra parte desta espécie de jogo do empurra entre poderes central e municipal a que vimos assistindo desde 2014, após a nova Lei de Bases do Ordenamento do Território. Ora avançariam os municípios com a incorporação de normas e os novos programas ficariam para mais tarde, ora avançaria o Governo com os novos programas e a incorporação pelos municípios só se faria depois. O tempo foi passando.

Entre hesitações, discussões e prorrogações de prazos, aquilo que inicialmente foi pensado para três anos acabou por estender-se a sete, sendo que um dos maiores desígnios da reforma de 2014/15 permanece por cumprir — o reforço da confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico-territorial através da concentração de normas apenas nos planos municipais —, persistindo um anacrónico status quo de planos especiais e de aplicação dos mesmos por um mix de entidades e respetivas dependências, com os díspares resultados socio-territoriais que estão à vista de todos.

Independentemente de serem planos ou programas, era ao Estado Central que já teria competido fazer e aprovar novos instrumentos de natureza especial, revogando, se não todos, pelo menos parte dos que ainda vigoram, para assegurar uma maior proteção a determinadas ocorrências territoriais que a si constitucionalmente compete garantir mais do que a qualquer outro ente público, e que os (antigos) planos especiais ainda vigentes decerto não salvaguardam da melhor forma.

Prova disso são as cerca de 20 mil novas camas turísticas e os 7 mil novos fogos habitacionais que permanecem “previstos” para a estreita e sensível faixa litoral do território algarvio com a largura de 500 metros, fora de aglomerados urbanos, mais de metade dos quais incidindo em área abrangida pelo POOC Burgau-Vilamoura, aspeto de incontornável ponderação na revisão deste plano.

Porém, a revisão do POOC Burgau-Vilamoura, incluindo o troço de costa até Odeceixe, tarda em chegar ao fim. Esta aparente desídia está a contribuir para que muitos desses meros direitos potenciais, não tarda, se transformem em reais. A seguir, chorar-se-ão lágrimas de frustração mas também de crocodilo.

Apesar de ter sido determinada em 2010 (Despacho n.º 72/2010) e de num protocolo entre entidades se afirmar “[estarem reunidas] múltiplas situações (…) que determinam, legalmente, a imperatividade da respetiva revisão” (Protocolo n.º 2/2010 entre INAG e ARH/Algarve), estamos em 2021 e, ainda que tendo havido uma discussão pública em 2016 e que a revisão tivesse entretanto sido formalmente relançada em 2019 (Despacho n.º 316/2019), certo é que o novo Programa da Orla Costeira (POC) Odeceixe-Vilamoura continua sem ver a luz do dia, persistindo o antigo POOC, com 22 anos de vigência.

Infelizmente não é caso único.

O POC Caminha-Espinho, alvo de discussão pública em finais de 2018 e com relatório de ponderação aprovado há um ano, continua sem aprovação governamental e sem qualquer existência jurídica. Mais: múltiplos procedimentos foram desencadeados em 2017 para a revisão de planos de ordenamento de áreas protegidas, com prazos de elaboração de 15 meses, desconhecendo-se a existência de quaisquer deliberações do Governo que tenham aprovado algum desses novos programas.

No Gerês, na albufeira da Caniçada, durante anos a fio, alguns terão edificado à margem das regras. Algumas das irregularidades são antigas e já nem serão impugnáveis visto terem passado mais de 10 anos sobre os respetivos licenciamentos. Entidades da Administração Central com deveres acrescidos de fiscalização nestes territórios de importância supra municipal, sabe-se, só terão despertado para o caso após denúncias de cidadãos mas agora tencionam organizar-se em task force, alegadamente para “acabar com os abusos”. Casa roubada, trancas à porta. O plano de ordenamento, esse, ainda é o mesmo que foi aprovado em 2002, desconhecendo-se sequer se a elaboração do novo programa já terá sido formalmente desencadeada.

Enfim. Contam-se pelos dedos de uma só mão os novos programas que sucederam aos anteriores. Persistem os antigos e reconhecidamente insuficientes planos especiais, repletos de normas que procedem à chamada classificação e qualificação dos solos, que é o mesmo que dizer que extravasam o respetivo conteúdo material e que, desde logo por isso, nem são admissíveis à luz da lei vigente.

Porquê? Até quando? Ordenamento do território: quo vadis?