Apesar da vitória de Biden, o farol da democracia americana está hoje certamente enfraquecido. O ataque ao Congresso pelos apoiantes de Donald Trump demonstrou como o declínio da democracia na América acelerou perigosamente, com a fragilidade do Estado de Direito e a aguda crise de liderança a tomar proporções extremas. A tarefa da nova Administração assevera-se deveras formidável: ultrapassar as crises social, política, económica, pandémica e internacional. Do seu sucesso depende a sobrevivência da ideia de Ocidente, a que os Europeus deram berço na Antiguidade grega e a quem o presidente oferece uma nova parceria. O programa de forte intervenção estatal de Biden imita o contrato social europeu: assegurar a economia de mercado através da intervenção do Estado, ao mesmo tempo que revitaliza o contrato social à volta da criação de uma segurança social, especialmente na área da saúde e do ensino superior.

Perante este desígnio e esta crise, os Europeus mostram-se frios. A dois dias da tomada de posse de Biden, o ministro francês das Finanças e Economia, Bruno Le Maire, declarava que “a Europa não pode subordinar os seus próprios interesses e agenda a um desejo de uma aliança revigorada”, enfatizando que esta não era simplesmente uma visão francesa, mas que se tratava de um crescente consenso europeu.

Se da França não se espera grande entusiasmo pelos EUA, da Alemanha os sinais não são mais animadores. Dos três candidatos à liderança da CDU, dois deles prometeram um compromisso mais claro com a relação transatlântica. Mas perderam. O vencedor do Congresso da CDU de sábado, Armin Laschet, é seguidor da doutrina de equidistância estratégica entre os EUA e a China, um apaziguador de Putin e chegou mesmo a apoiar Assad no início da guerra da Síria.

Também nas opiniões públicas europeias, um estudo do ECFR mostra que 32% dos europeus dizem que, depois de Trump, os americanos já não são de confiança (na Alemanha este número chega a 53%). O inquérito também sugere que os europeus são pessimistas em relação aos EUA. Mais de 60% dos inquiridos disseram que o sistema político americano está “completamente” ou “algo falido”. Momento para os abandonar, portanto?

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Bem sabemos que os Estados não têm emoções. Nitzsche chamava-lhes “o mais frio dos monstros frios”. Mas quando na Europa reinava a mais escura das noites, o Presidente Franklin Roosevelt mobilizou retórica e paixão para convencer os americanos a entrar na guerra. Em julho de 1941, em discurso radiofónico, Roosevelt avisava os americanos de que “os Estados Unidos nunca sobreviverão como um oásis feliz e fértil de liberdade rodeados por um deserto cruel de ditadura”. Convinha que, no mesmo espírito, os Europeus vissem o presente como o momento de partilhar a tarefa de restaurar a ideia de Ocidente.

Madalena Meyer Resende (no twitter: @ResendeMeyer) é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, João Diogo Barbosa e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.

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