Nem todos os ateus são carrapatos, claro. A maioria são pessoas normais que vivem a sua vida sem incomodar os outros em excesso. Não fazem da descrença na divindade uma batalha de vida, não escarnecem dos crédulos obscurantistas que têm fé, não esbugalham os olhos transidos de fúria de cada vez que referem a Igreja Católica. São pessoas com quem se pode ter (e frequentemente tem) conversas bem pertinentes sobre espiritualidade e religião. No meu caso (de católica), tenho mais valores e pontos de vista em comum com a maioria dos meus amigos ateus do que com os católicos conservadores fundamentalistas.

Mas há ateus-carrapato, consideravelmente diferentes das pessoas ateias normais minding their own businesses. Caracterizam-se, grosso modo, pelo ódio de morte à religião católica e pela irracionalidade absoluta e agressiva de cada vez que um católico se expressa publicamente – onde estão as purgas nos jornais e nas televisões quando precisamos delas?! Se por acaso quem se expressa publicamente é um padre, o transtorno é tal que ficamos em cuidados se algum destes carrapatos não vai para casa auto mutilar-se. Qualquer dinheiro dos contribuintes que vá parar a uma instituição católica ou de católicos dá-lhes ímpetos de emigrarem – que, infelizmente, não concretizam.

São pessoas suscetíveis. Tal como não conseguem sobreviver com sanidade (e nota-se) sem uma bateria de sessões de psicoterapia de cada vez que ouvem um piropo obsceno na rua, também se ofendem com crimes hediondos como receber desejos de um ‘santo natal’. (Que género de psicopata deseja um ‘santo natal’ a uma pessoa de religião desconhecida?!)

(Em situações profissionais, com pessoas de outros países e religiões, já se despediram de mim dizendo coisas do calibre ‘May Allah protect your journey’ – logo a mim que embirro com o islão! Já me ofereceram pequenas khamsas, aquelas mãos que tradicionalmente no islão protegem do mau olhado. Já me presentearam com incensos que afugentavam os maus espíritos. Ora a néscia da Maria João ficou sempre enternecida com os psicopatas que tinham para mim estes gestos. Considerei que me estavam a oferecer algo que viam como bom, e que isso era bonito e transcendia qualquer diferença de religião. Contudo já vi a luz: perante comportamentos generosos e bondosos destes, o que tenho a fazer é insultar tais sociopatas e ridicularizá-los nas redes sociais.)

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Mas estes ateus têm causas. E, qual carrapato, não nos deixam em paz com elas. Descrevo algumas (há muitas mais).

Os ateus-carrapato conhecem O GRANDE PROBLEMA das escolas públicas: as aulas de religião e moral. Não, não é a falta de auxiliares, que tem levado algumas escolas a não funcionarem ou a funcionarem com grandes deficiências e perigos para os alunos. Nem a falta de fundos com que algumas escolas trabalham no tempo novo, sem conseguirem pagar papel higiénico ou fotocópias. Menos ainda as escolas como a Alexandre Herculano, sem condições para acolher os teimosos dos alunos porque a geringonça não quis pagar as obras. Não. O problema são as aulas de religião, esse infame atropelo à laicidade.

Tem um rebento? Gostava que a criança ou adolescente tivesse educação na religião católica que professa? Não tem dinheiro para colocar o dito rebento numa escola católica, mas paga impostos e vê como obrigação do estado proporcionar aos seus filhos uma educação em todos os contextos que considera importantes, incluindo religião? Ora vá lá ter essas considerações para a gruta medieval de onde seguramente acabou de sair. Não interessa nada o que quer para a educação do seu rebento. O que interessa é não desagradar aos carrapatos, que ficam ofendidos porque os filhos dos outros têm aulas de religião numa escola pública. Se não, lá temos todos de levar com a histriónica indignação dos ateus-carrapato nos media.

Refira-se que a cada ano que se matricula uma criança, os pais têm de responder se desejam aulas de religião ou não, e de que confissão religiosa. O supremo horror. Que tipo de estado totalitário dá esta liberdade aos pais? Eu, com a ingenuidade do costume, até preferia que os alunos muçulmanos tivessem educação religiosa islâmica nas escolas públicas, em vez de numa madrassa potencialmente carregada de extremistas. Mas eu sou uma rústica. Perdoem-me.

Outra grande causa dos ateus-carrapato é O GRANDE PROBLEMA do SNS: os capelães católicos e a existência de padres nas comissões de ética dos hospitais públicos.

Está no hospital, com um problema grave de saúde, e sabe-lhe bem a visita ocasional do capelão, já que o marido ou a mulher morreu e os filhos e netos não têm tempo? Corre perigo de vida e apazigua-lhe o coração, nestes momentos de vulnerabilidade, e independentemente do grau das convicções, ouvir alguém falar da misericórdia de Deus? Sente-se mais tranquilo se puder confessar, querendo, um ou outro disparate, ou que lhe ministrem a extrema unção, afinal sabe-se lá?

Mas quem disse que o SNS tem de se preocupar com os seus pacientes? Claro que o mais importante é o SNS nunca desagradar aos carrapatos, que ficam agoniados se tais atos são praticados no SNS aos pacientes que os pedem.

A maioria dos portugueses é católica e, como tal, sente-se reconfortada que alguém dessa religião esteja presente nas comissões de ética (não remuneradas e com pareceres não vinculativos exceto para os casos de ensaios clínicos), apresentando dentro de um grupo heterogéneo o ponto de vista da defesa intransigente da vida e da dignidade humana? A infâmia. Os portugueses católicos que vão dar uma volta: temos é de evitar amofinar os carrapatos, que amuam quando os pontos de vista dos seus ódios de estimação têm voz.

Estes ateus-carraça abundam no universo alucinado dos bloquistas e, claro, nas almas socráticas da área do PS. Mas nunca esquecer: estes ateus-carrapato são uns grandes liberais; quem quer restringir a nossa liberdade e mandar nas nossas vidas são a Igreja e os católicos.