Em 1986, Ronald Reagan assinou uma lei que permitia a legalização extraordinária de imigrantes ilegais, desde que tivessem entrado nos Estados Unidos antes de 1982. O pai de uma grande amiga de liceu, Catarina, aproveitou essa lei para emigrar, em 1986. Entrou pelo Canadá, escondido num fundo falso de uma camioneta que transportava cavalos. Contou-me ele que na fronteira a polícia revistou a camioneta, mas não se apercebeu do fundo falso. Bastava que um dos 5 ilegais tivesse espirrado para serem todos apanhados. Uma vez chegado a Newark, meteu os papéis a pedir a sua legalização extraordinária. Um padre português prestou falso testemunho contando que o via na missa todas as semanas desde há vários anos. Perante tão pia garantia, deram-lhe o desejado Green Card, que lhe permitia trabalhar e residir legalmente. Quer antes, quer depois desta data, houve várias legalizações extraordinárias de imigrantes ilegais. Isto, claro, a par com milhões que imigravam legalmente. Esta imigração do século XX (e também XXI) mudou a face da América, o americano deixou de ser loiro.

Foi em 2009, pouco depois da eleição de Barack Hussein Obama, que fui pela primeira vez aos encontros da APSA (American Political Science Association). Aí assisti a uma mesa redonda sobre demografia e resultados eleitorais. E, apesar de se tratar de encontros pretensamente científicos, na verdade, essa mesa redonda parecia ser uma celebração da vitória de Obama. No meio da euforia, aqueles cientistas políticos projectavam muitas vitórias eleitorais para os democratas por várias décadas. A razão era simples: demografia. As minorias estavam a tomar a América de assalto. Como as minorias votam nos candidatos democratas, os republicanos iam deixar de ser elegíveis.

Penso que esta é uma das chaves para entender a conquista da direita americana por Trump. Com a actual demografia, a aristocracia do Partido Republicano acreditou que precisava de ganhar o voto das minorias para ganhar as eleições. Precisavam de penetrar no eleitorado hispânico e conseguir pelo menos 40% desse voto.

Por isso, nas primárias havia três favoritos: Jeb Bush, Marco Rubio e Ted Cruz. Jebb Bush, que é casado com uma mexicana, lançou a sua candidatura em espanhol, como podem ver no vídeo acima. Os outros dois grandes favoritos, como se percebe pelos apelidos, eram de ascendência hispânica. Quer Rubio quer Cruz são descendentes de cubanos, o que fazia deles fortes candidatos no Estado-chave que é a Florida. Mas toda esta estratégia assentava num erro: desvalorizaram o ressentimento branco.

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Neste vídeo de 2009, podemos ver uma mulher desesperada a dizer que Barack Obama não tem o direito de ser presidente e quer voltar a 20 de Janeiro (dia de tomada de posse de Obama). E continuou gritando que seu pai combateu na Grande Guerra, não queria que a bandeira dos EUA mudasse e queria o seu país de volta: “I don’t want this flag to change, I want my country back!” A audiência aplaudiu vigorosamente estas palavras.

Este foi o eleitorado que Donald Trump mobilizou: eleitorado branco pouco qualificado. O seu poder mobilizador foi tão forte que as taxas de participação das primárias republicanas atingiram valores que não se viam desde a competição entre Reagan e Bush (pai). Ao contrário de muitos, não encontro a explicação para a sua inusitada performance no mau desempenho económico. Até porque essa ideia é falsa; por exemplo, a taxa de desemprego nos EUA está abaixo dos 5%. Também não é verdade que a classe média não tenha beneficiado do crescimento. O rendimento do americano mediano aumentou no último ano. E, depois do artigo de Mafalda Pratas, deixei de acreditar que a explicação fosse o ódio à globalização. E, se tiver sido esse o caso, então é provável que o eleitorado de Bernie Sanders tenha votado em Trump.

Em 25 de Outubro, Ian Bremmer publicou um tweet explicando-nos, com base em sondagens, qual seria o aspecto do mapa eleitoral se apenas alguns grupos bem definidos votassem.

Estes fantásticos mapas, que poderão ser corrigidos com base em sondagens pós-eleitorais, dizem-nos que se apenas pessoas não-brancas (People of Color) votassem (e nesta definição cabem latinos, incluindo portugueses, hispânicos, negros, asiáticos, indianos, etc.) Hillary ganharia em todos os Estados. Já se apenas os brancos votassem Donald Trump venceria sem grandes dificuldades. Repare-se que mesmo entre as mulheres brancas Trump venceria.

Como de costume, Ann Coulter tinha razão. O melhor candidato republicano, o único que tinha hipóteses reais de ganhar era Trump. E ganhou nas últimas eleições em que uma estratégia destas poderia ser vencedora. Se fosse Hillary a vencer, seria provável que assistíssemos a uma amnistia generalizada em favor dos imigrantes ilegais (entre 11 a 30 milhões). Se isto fosse feito, os EUA deixariam definitivamente de ser uma nação branca e passariam a ser mestiços. Nesse momento, ao Partido Republicano não restaria outra opção que não a de deixar o voto troglodita de parte, regressando à sua tradição dos anos 50 e 60 do século passado, quando os campeões das lutas pelos direitos civis dos negros eram os Republicanos e a maioria dos membros do KKK era democrata. Infelizmente, não foi isso que aconteceu.