Um ano depois de ter lançado um movimento de base popular En Marche!, o novo carismático Presidente francês tem agora o seu maior desafio pela frente, formar um Governo e ganhar apoio suficiente no Parlamento nas eleições legislativas de junho para poder efetivamente concretizar o seu programa.

A política

Os últimos quinze anos em que os Presidentes franceses obtiveram também maiorias legislativas poderão ter feito esquecer a constituição francesa não facilita especialmente a vida ao Presidente francês em situações em que a maioria parlamentar é de uma cor diferente. O texto refere explicitamente que o Governo “determina e conduz a política da nação”. Ao Presidente cabe por tradição a definição da política de defesa e de negócios estrangeiros, dissolver a Assembleia da República e opor-se a nomeações no Conselho de Ministros.

Os franceses viveram essa situação, que chamam carinhosamente de cohabitation, três vezes: 1986-1988, 1993-1995 e 1997-2002. A última, mais longa, entre o presidente Jacques Chirac e o primeiro-ministro Lionel Jospin que liderava uma coligação do PS e outros partidos à esquerda, foi marcada por períodos de conflito, especialmente a partir de 2000, quando se tornou claro que Chirac voltaria a candidatar-se às eleições presidenciais em 2002. As dificuldades de governação nestes três períodos conduziram à reforma eleitoral de 2000 que reduziu o mandato presidencial de sete para cinco anos e prevê a realização de eleições legislativas poucas semanas depois das eleições presidenciais. O objetivo é limitar a possibilidade de uma diarquia de cores diferentes à frente da République, mas poderá não evitar este cenário esta vez.

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Para Macron, superar este desafio necessitará de uma enorme capacidade de negociação. Apesar do apelo ao voto nos seus candidatos às legislativas, os resultados muito fracionados da primeira volta sugerem que é improvável que consiga uma maioria absoluta no Parlamento. Macron prometeu desde o início ultrapassar a linha de divisão tradicional esquerda-direita e criar uma linha diferenciadora entre reformistas e conservadores. Para conseguir concretizar esta visão necessitará de apoios tanto à esquerda como à direita com base numa política decididamente europeísta e num programa económico reformista.

A economia

Com uma taxa de crescimento do PIB de 1,2% em 2016, dívida pública de 96% do PIB e uma taxa de desemprego acima de 10% no final do ano passado, é patente a necessidade de reformar a economia francesa. O novo Presidente prevê uma série de medidas para relançar a economia francesa entre as quais as mais reformistas e mais desafiantes se encontram nas áreas do emprego, da Administração pública e da fiscalidade.

O mercado de trabalho é a peça fundamental para libertar a economia francesa. No seu programa Macron prevê reduzir as contribuições à segurança social e enquadrar os montantes mínimos e máximos para despedimento sem justa causa, para fomentar a utilização de contratos sem termo. Prevê também dar a primazia aos acordos empresariais sobre os acordos setoriais, que só funcionarão em caso de ausência de acordo empresarial, o que permitirá maior flexibilidade de funcionamento para as empresas.

Na Administração Pública, entre outras medidas, Macron quer implementar a diferenciação das progressões e dos aumentos salariais e aumentar a mobilidade entre carreiras, para além de uma redução do número de funcionários públicos.

Na fiscalidade, propõe reduzir o IRC dos atuais 33,3% para 25%, criar uma taxa única de 30% sobre os rendimentos de capital, e limitar o imposto de solidariedade sobre as fortunas aos bens imobiliários, eliminando-o para os investimentos produtivos.

A capacidade de reforma nestas três áreas que são importantes e desafiantes dependerá do apoio que conseguir no parlamento, que por enquanto está longe de estar assegurado.

A Europa

Nas medidas que se propõe defender junto da União Europeia, o novo Presidente mistura maior liberalização económica (por exemplo, um acordo transversal entre a Europa e a China sobre o comércio internacional, segurança e ecologia), com medidas sociais (estabelecimento de mínimos nas políticas sociais europeias a nível da saúde, do desemprego e salário mínimo), e medidas protecionistas (controlo do investimento estrangeiro em indústrias estratégicas).

Mais importante do que saber qual a prioridade que vai dar a cada uma destas áreas, que dependerá também do apoio parlamentar, é saber qual será a posição francesa na reforma institucional da União Europeia e nas negociações com o Reino Unido. Embora a posição da União Europeia a 27 esteja para já aparentemente definida, o resultado das eleições francesa, britânica e alemã irão sem dúvida marcar as negociações nos próximos anos.

As incertezas

Os desafios são enormes e a partida ainda não está ganha para Macron. Acresce a isso que Marine Le Pen obteve os votos de perto de 33,8% dos eleitores. Este número avassalador é bastante diferente dos da eleição comparável em 2002. Nessa altura o Le Pen contra Jacques Chirac obteve 17,8% dos votos, sensivelmente metade do resultado atual da sua filha. Marine Le Pen poderá assim tornar-se na principal líder da oposição em França, o que complicaria a implementação de reformas económicas em França e a sua posição nas desafiantes negociações europeias que se avizinham.