1 Há um diálogo no filme “Os Dois Papas” que é uma espécie de metáfora do atual estado do PSD e do Livre. O cardeal Jorge Bertoglio quer reformar-se e escreve ao Papa Bento XVI a pedir autorização. Bertoglio já tinha sido o grande rival de Ratzinger na eleição como substituto do Papa João Paulo II mas o papa alemão quer impedir a sua saída — para preparar a transição para o futuro Papa Francisco.

Por isso chama-o a Roma para dizer-lhe que sabe perfeitamente que Bertoglio é muito ativo em Buenos Aires, que vai a pé para todo o lado e que até anda de bicicleta. Bertoglio confirma: “Sim, eu danço tango uma vez por semana”. E “dança com alguém?”, pergunta-lhe Ratzinger. “Pareceria tonto se dançasse sozinho. A bem da dignidade do meu cargo, sim, danço acompanhado”, responde Francisco.

Rui Rio tem optado por dançar sozinho desde que chegou à liderança do PSD. Tentou uma lista de unidade com Santana Lopes no congresso a seguir às diretas de 2018 e falhou — Lopes acabou por sair do partido para fundar a Aliança. Nunca deixou de ter uma atitude de perseguição e de confronto com aqueles que discordam de si. E desprezou desde sempre o legado dos governos de Pedro Passos Coelho, esquecendo-se que foi um governo PSD/CDS que recuperou a credibilidade de Portugal nos mercados externos.

Com a vitória de sábado, a sua segunda vitória consecutiva nas diretas, Rio tem uma nova oportunidade para mudar a sua atitude e afirmar-se como um líder de todo o PSD, de forma a lutar pela vitória nas legislativas de 2023 contra o PS.

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2 O mesmo não se pode dizer de Joacine Katar Moreira e o Livre — onde tango não deve ser propriamente amado. O ambiente deplorável de guerra civil a que os portugueses assistiram este sábado no Congresso do Livre vai continuar a prejudicar o partido nas sondagens e não se vislumbra uma plano para ultrapassar as diferenças quase insanáveis entre a direção do partido e a deputada única Joacine Katar Moreira.

Se nos últimos dois meses — sim, a guerra no Livre já dura há mais de dois meses — assistimos de boca aberta ao amadorismo da direção de um pequeno partido que não consegue assegurar linhas de comunicação claras com a sua deputada única, com o Congresso a fasquia elevou-se para um estado de absoluto non sense.

Ouvir uma Joacine totalmente desvairada a gritar com todas a força dos seus pulmões (“Isto é mentira!, Mentira!!!!”), ao mesmo tempo que os membros do Grupo de Contacto tentam responder na mesma moeda — eis o perfeito exemplo de suicídio político.

E a prova de como a esquerda progressista pode tentar colocar em causa os valores da hierarquia, pode tentar criar formas utópicas de organização interna, que, no fundo no fundo, todos os partidos precisam de um líder e de uma direção claras.

3

Rio não tem absolutamente desculpa nenhuma. O partido voltou a confiar em si, apesar do pior resultado de sempre nas europeias e o terceiro pior resultado de todas as legislativas. O grupo parlamentar está nas suas mãos depois de ter escolhido os deputados a dedo. E a direção do partido foi construída à sua imagem: um conjunto de yes man que estão ali para servir acriticamente o líder.

O histórico recente do PSD nos próximos atos eleitorais também o favorecem. Ninguém espera nenhuma vitória nos Açores e nas autárquicas de 2021 não é difícil fazer melhor do que o resultado desastroso conseguido por Passos Coelho, nomeadamente em Lisboa e no Porto e restantes centros urbanos.

Rio tem assim todas as condições que sempre exigiu: um partido submisso que não conteste a sua autoridade e com a oposição interna claramente desmobilizada. Melhor era impossível.

Montenegro bem pode citar Mark Twain para dizer que as notícias sobre a sua morte política são exageradas mas o que é certo é que a curto prazo nada poderá fazer com os 47% dos votos. O partido está partido ao meio mas o ex-líder parlamentar do PSD não tem condições políticas para fazer alguma espécie de oposição interna visível para o exterior depois de duas derrotas consecutivas com a moção de confiança de há um ano e com este resultado das diretas. Vai ter de se fazer de ‘morto’. Não tem outra solução.

Já o Livre espera um “milagre” para que Joacine a a nova direção do partido se entendam de vez, mas é muito pouco provável que ele se concretize. O mais preocupante para o partido, contudo, é que a imagem de partido moderado que os seus fundadores quiseram construir, fica seriamente afetada. Ouvir o discurso de Joacine no sábado é perceber que o radicalismo do Bloco de Esquerda e do PCP estão com ela — e não com figuras moderadas com Ricardo Sá Fernandes.

Se a sua deputada única continuar a insistir em ver “racismo” e “ódio” em todas as críticas que são feitas, se continuar a ver-se com o ‘Deus na terra’ e os restantes membros do partido como uma apêndice totalmente dispensável — então aí teremos problemas sérios e um caminho eficiente para a audo-destruição.

4 O Papa Bento XVI era um conservador. O Papa Francisco é um reformador. A luta natural entre essas duas visões sobre a Igreja resultou numa combate político, sendo que a sua grande virtude, como em qualquer processo político, foi o contributo que deu à construção da unidade.

Por muito que essa unidade não seja total nem absoluta, por muito que os conservadores (sem Ratzinger) continuem a colocar obstáculos ao reformador Francisco, certo é que a unidade entre dois líderes de correntes opostas permitiu uma transição do poder de uma para a outro. E isso não é coisa pouca numa instituição como a Igreja.

Católicos ou não, as fações do PSD e do Livre teriam muito a aprender com o processo liderado por Ratzinger e por Francisco. O seu futuro, pelo menos, seria mais risonho.