Em 1999, cheguei a Londres para fazer o doutoramento. Portugal pertencia ao grupo de países fundadores do euro. 1998 tinha sido o ano da Expo e do prémio Nobel da literatura para José Saramago. Vivíamos um período de euforia. Sentíamos que fazíamos parte do famigerado ”pelotão da frente”.

Numa conversa sobre os nossos  progressos, um colega suíço colocou-me uma questão: para além do vinho do Porto, que outros produtos são made in Portugal? A seguir, pediu-me o nome de marcas portuguesas. Fiquei sem palavras.

A entrada no século XXI interrompeu um longo período de convergência com a União Europeia (UE) e os países mais ricos da Europa em termos de produtividade, PIB per capita e salários. Entre 2000 e 2019, a produtividade por hora de trabalho manteve-se em torno dos 70% da UE e dos 50% da Alemanha. Como discuti aqui na semana passada, esta estagnação ocorreu apesar dos extraordinários progressos registado na educação.

Regresso à questão do meu amigo suíço: por que razão as marcas globais portuguesas são uma raridade?

Para que as empresas portuguesas alcancem os níveis de produtividade e notoriedade das grandes empresas europeias é necessário que se posicionem na fronteira da inovação, produzindo bens e serviços únicos e de alto valor e que os coloquem nos mercados globais.

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Por que razão, ou razões, não surgem mais inovações com impacto nos mercados globais?

Uma pessoa ambiciosa, nascida em Portugal, que criou um negócio e não conseguiu projetar-se internacionalmente, muitas vezes fará a si mesmo esta pergunta: Onde é que falhei? Fui eu que falhei ou faltaram-me as condições necessárias para alcançar dimensão global?

O filósofo espanhol Ortega Y Gasset resumiu estas questões de forma genial: ‘Eu sou eu e a minha circunstância’.

Num trabalho académico com os meus colegas da Universidade do Minho Miguel Portela e Hélder Costa, partimos da formulação de Ortega Y Gasset. Em que medida o crescimento das empresas e a sua produtividade são influenciadas pelas características dos empresários e, por outro lado, pelas circunstâncias em que a sua atividade é desenvolvida?

No nosso artigo, o ‘eu’ de Gasset é medido pela escolaridade dos empresários na altura da fundação das empresas. Concluímos que empresários com níveis de educação mais elevados têm uma maior probabilidade de se tornarem líderes nos seus sectores de atividade. Este resultado confirma as conclusões de outros estudos. Empresários com níveis de educação superiores estão mais bem equipados para adotarem melhores técnicas de gestão e para superarem obstáculos, o que resulta em mais produtividade e num crescimento mais rápido das empresas.

As ‘circunstâncias’ em que os empresários atuam são avaliadas pelo nível de flexibilidade do mercado de trabalho, pela concorrência no sector de atividade e pela eficiência dos mercados de crédito.

Portugal continua a ter um dos mercados de trabalho mais rígidos da OCDE. Um mercado de trabalho mais flexível pode facilitar a transferência de recursos de sectores menos produtivos para setores mais produtivos, bem como a adaptação das empresas a novas tecnologias e às condições de mercado. As empresas fundadas em sectores de atividade com mercados de trabalho mais flexíveis têm uma maior probabilidade de alcançarem o topo da produtividade.

Por outro lado, um sector de atividade dominado por um número reduzido de empresas, isto é, com pouca concorrência, pode também ser um obstáculo ao crescimento das empresas e dificultar o seu acesso ao topo. Garantir condições de concorrência parece ser uma importante condição para a entrada e crescimento de novas empresas, o que é essencial para a inovação e crescimento da produtividade.

Finalmente, ainda na análise das “circunstâncias” em que as empresas desenvolvem a sua atividade, avaliamos o papel da existência de empresas ‘zombies’. Estas empresas, muito endividadas e economicamente inviáveis, ao manterem-se no mercado, devido à ineficiência dos mecanismos de insolvência, impedem o nascimento e crescimento de outras potencialmente mais inovadoras.

Voltando à nossa questão inicial. Porque faltam em Portugal empresas com dimensão global? As características individuais dos empresários são importantes, em particular o seu nível educacional. Por outro lado, as circunstâncias em que desenvolvem a sua atividade são também essenciais para o seu sucesso. O funcionamento do mercado de trabalho. A existência de poder de mercado ou de falta de concorrência. A eficiência dos mercados de crédito e dos procedimentos de insolvência.

A célebre frase de Ortega Y Gasset ‘Eu sou eu e a minha circunstância’ capta a importância do eu e do meio onde habitamos. Os dois são indissociáveis.

Porém, poucos citam este famoso aforismo de Gasset na íntegra. Na verdade, o filósofo espanhol vai mais longe: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”. Apesar das circunstâncias terem grande influência, é nossa responsabilidade melhorá-las. De outra forma, não nos realizaremos e ficaremos sempre aquém daquilo a que nos propusemos.