Os exames estão a chegar. E, com eles, chega todo um “reboliço” que envolve quem será examinado. E as suas famílias. E que nem sempre é devidamente compreendido pelas escolas e pelos pais.

Eu entendo que a avaliação faz bem aos alunos. Porque a vida se faz de avaliações. Porque é importante que eles posicionem os seus conhecimentos num patamar em que os comparem com os dos colegas, considerando uma amostra mais alargada. E porque é precioso que se testem em tudo aquilo que uma preparação dessas lhes traz: desde o planeamento do estudo até ao “nervoso miudinho” que isso lhes provoca. Mas, na verdade, não serão eles os únicos avaliados. (Por mais que o resultado final os penalize — se for caso — sobretudo, a eles.) Será a escola que tiveram. Os professores que os ensinaram. E as famílias que lhes disponibilizaram condições para serem avaliados. Seja como for, a avaliação devia ser (mas não é!) um momento para que, diante dos resultados que dela resultem, se ponderar sobre os porquês de certas notas. Que – nalgumas disciplinas que geram resultados, tendencialmente, negativos – nos devia levar a perguntar o que terá falhado na formação de quem os forma, nos objectivos desses planos curriculares ou na didáctica como que são ensinadas, por exemplo. Muito para além das conclusões habituais dos que, diante delas, se limitam a constatar que as notas terão sido, simplesmente, más e que serão precisas mais horas de aulas dessas disciplinas.

É verdade que um exame deve ser só uma prova nacional de aferição. Com uma ponderação na nota final, tal como acontece. Que, todavia, introduz alguma turbulência nos desempenhos dos alunos. (Porque eles não estão, por exemplo, rotinados com os formatos de certas perguntas ou não estão sintonizados com a forma de pensar de quem os avalia, naquele momento.) Daí que os exames não possam ser vistos como aquilo que os separa de serem aprovados ou reprovados. (Até porque se torna compreensível que, em função das oscilações que tudo isso lhes traz, as notas dos exames não tenham como coincidir sempre com as médias com que lá chegam.) Mas como um resultado adjuvante em relação às classificações que tiveram ao longo de um ano e que, não havendo reservas fundamentadas em relação a elas devia merecer, por vezes, outro crédito.

É, por outro lado, tão questionável que muitos alunos tenham desempenhos negativos a físico-química ou a matemática, por exemplo, como as médias inacreditavelmente exorbitantes que, todos os anos, não param de aumentar, em qualidade e em número. Será que os alunos portugueses estarão assim tão “incapacitados” assim para algumas áreas de conhecimento? E será que produzimos cada vez mais génios? O que se passa para que haja assimetrias tão grandes? E como se manifestam essas distorções quando, a seguir, uns e outros entram no ensino superior? Não deviam merecer todas essas notas outra leitura “macro” que nos deveria, de forma muito ponderada, perceber onde estaremos todos a falhar, até para percebermos o que queremos dos exames?

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É, ainda, preocupante que, de forma subtil, se deixe passar a ideia que o ensino obrigatório tem como finalidade o ingresso no ensino superior. Não que seja desmerecimento ingressar nele, claro. Mas não será essa linearidade escorregadia quando se trata de percebermos o que queremos da escola e da formação-base, indispensável, que se pretende, para todos os alunos? Será que os exames avaliam informação ou conhecimento? Será que atestam a capacidade de reproduzir conhecimentos ou de discorrer sobre eles?

Como se observa pelos rankings das escolas, a escola não tem sido um factor tão robusto de equidade como devia ser. Porque cada classificação final depende da escola que se frequenta, da equipa de professores que se tem ao dispor, do método de acompanhamento das dificuldades de cada escola, da forma como se constituem as turmas, dos critérios de classificação que se adoptam, etc. Logo, não serão os exames que irão colocar paridade onde ela não existiu. Mais, os exames arriscam-se a acentuar, em muito, a forma como se clarificam as desigualdades de acesso ao conhecimento. Sem factores de ponderação que corrijam as classificações finais. Por isso mesmo, sabendo eles disso, é de esperar que os nossos filhos não possam viver com naturalidade aquilo que os penaliza com desigualdades, quase como, em certa medida, um exame fosse, para muitos deles, um jogo com cartas marcadas.

Também o acesso às explicações e aos centros de estudo mereciam ser ponderados, quando se fala de exames. E devia exigir uma interpelação séria da nossa parte, quando é praticamente “impossível” atingir aprovação a determinadas disciplinas, com notas “relevantes”, se os alunos não frequentarem (muitas) explicações. O que nos deve levar a perguntar se a escola estará a cumprir, em toda a dimensão, o seu propósito formativo. Ou se não corre o risco de estar a falhar. Com uma tal atmosfera de “normalidade” que nos devia levar a pensar. Mesmo que isso empurre os estudantes para outra “normalidade” como imaginarem a explicação como um momento em que, mais do que terem alguém a ensiná-los a pensar, tenham quem lhes faz “a papinha toda”. Com os custos que isso lhes traz, logo a seguir.

E, depois, há o fervilhar familiar em épocas de exame. Que faz com que quem vai ser examinado fique com “um feitio impossível”. E com que os pais oscilem entre lembrar, quase constantemente, que os exames estão a chegar, e “fecharem os olhos” aos momentos de “mau feitio” e, até, de “má criação” dos seus filhos, como se muitas regras familiares fossem de férias em época de exames. Tudo em nome dos bons resultados pelos quais tanto se espera. O que não contribuiu para se ser mais “estável” ou mais “equilibrado”, quando se estuda. Como se a autoridade sensata dos pais fosse um obstáculo ao sucesso educativo e não favorecesse a tolerância à frustração que é indispensável que se tenha (mais, ainda) quando se “vai a jogo” e nada garante que se ganhe (sempre) “por muitos”, de todas as vezes.

E, qual “época dos incêndios”, este será, também, o período alto dos “ataques de pânico”. Que é uma forma dos nossos filhos nos falarem do modo como, por vezes, ficam “bloqueados”. Ou sentem o coração “a 1000”. E parece que tudo se “varreu” da cabeça, quando se trata de resolverem mais um exame de um ano anterior. O que é – diga-se – um sinal de bom prognóstico. Porque a imaginação é um simulador de voo. O que faz com que imaginarem-se num exame seja experimentarem-se nele. Como se fosse uma realidade  virtual com a qual se vão dessensibilizando para as situações mais ansiosas que possam vir a viver, em tempo real. Por isso, a “nervoseira” em época de exames prepara-os para eles. Ao invés, fugirem de a sentir (ou fazerem de conta que têm tudo “controlado”) não é preparem-se para um exame. É imaginarem que dominam o que sentem até ao momento em que se deparam com sentimentos que os “dominam” a eles. E, a seguir, tudo corre mal.

E, depois, há sempre este senão: os nossos filhos correm o risco de atravessar o ensino obrigatório sem terem aprendido a estudar. Terão sido mais “educados” num registo de “marra, vomita e esquece”. Terão sido mais “ensinados” para a memorização mecânica de conhecimentos. Sem se sentirem desafiados a discorrer sobre eles. De forma abstracta. E de modo simbólico. Onde o acesso à palavra seja, simultaneamente, “matemática” e sentimento. Ora, será diante de alguns exames (mesmo quando os preparam) que eles intuem que lhes faltam argumentos que os tornem mais capazes de transformar conhecimentos em resultados escolares. O que lhes traz mais “turbulência” e mais evitamentos à forma como os preparam. Por mais que isso pareça, “a olho nu”, nervoso ou preguiça.

E esta é, também, “a época” em que escala o consumo de psicofármacos por adolescentes. E que desde medicamentos “para a concentração” e para terem melhores notas, a ansiolíticos, anti-depressivos, estabilizadores de humor, etc.  tudo valha, de forma a que os resultados finais saiam salvaguardados. Como se a vida acabasse aos 18. E a ansiedade, nestas alturas, fosse mais uma “força de bloqueio” do que um sinal vital. Ou como se, partindo daí, exames e “poção mágica” casassem na perfeição. Será isso tão prudente assim?

E, finalmente, não se esqueçam da pandemia. E da forma como dois anos lectivos gravemente atípicos trouxeram demasiados constrangimentos à aprendizagem. Que não são minimizadas com exames mais “adocicados”. Até porque, neste ano, os critérios dos exames nacionais vão mudar, com menos perguntas opcionais em relação a 2020 (porquê?…). Logo, não há forma dos nossos filhos parecerem um metrónomo no meio de uma tempestade. Eles precisam de reagir a tudo o que os virou do avesso: confinamentos, escola em casa, avaliações à distância, etc. Daí que haja uma margem de sobressalto acrescida sobre tudo o que os exames, já de si, lhes trazem, habitualmente. Que se faz sentir nestas alturas.

Os exames estão a chegar. Com tantos constragimentos a confluirem para eles, vamos, então, ver quem — entre pais, estudantes, escolas e professores — tem as melhores notas quando se trata de nos prepararmos para eles.