Existe uma presunção favorável acerca daqueles portugueses que em laboratórios médicos, estádios de futebol, e bancos de todo o mundo são convocados para dar a sua opinião sobre assuntos portugueses. A presunção explica-se porque os maiores vultos mundiais da medicina, do futebol e da banca são portugueses; e não seriam grandes vultos se não tivessem talentos extraordinários; e porque têm talentos extraordinários as suas opiniões, admite-se, podem beneficiar Portugal.

Pouco importa os conselhos que dão; como quaisquer conselhos, podem ser mais ou menos acertados consoante a pessoa, o assunto ou as circunstâncias. Há, claro, a maneira como falam; mas por esse tom pitoresco são sobretudo responsáveis os portugueses deste lado do mundo, conhecidos por obrigar ao dever de falar como oráculos todos os portugueses que por algum motivo não se encontram à mão. Se é o provincianismo português que transforma exilados em oráculos, é o provincianismo dos oráculos que transforma esses exilados em portugueses.

Como será a vida dos nossos exilados no seu exílio? A ideia que normalmente temos é que levam uma vida animada e próspera, marcada por afazeres. Nessa vida imaginamos por exemplo que interagem com uma grande variedade de pessoas interessantes, incluindo todos os seus colegas exilados, e os locais. Não é todavia de excluir que também vão às compras, apanhem gripe, e percam botões. Não serão exactamente como nós, mas serão só ligeiramente mais que nós. São os nossos representantes, ungidos e não-eleitos; uma selecção nacional.

A julgar pela imprensa, os nossos exilados de dia falam de Portugal; e à noite falam de Portugal a dormir. A medicina, a banca ou o futebol são meras ocupações; a todos consome sobretudo a responsabilidade de Portugal. Nos cafés secretos de Genève ou de Londres onde por vezes se juntam não conspiram contra o estado de direito, porque não há razão para isso; mas sonham com uma varinha de condão que altere o seu país de origem. Comove-os em conjunto o futuro da pátria; e, dado o acesso que tiveram aos cumes do futebol, da medicina, e da banca, move-os o dever de remediar os seus males por via oral. São exilados românticos.

O que seria um exilado não-romântico? Não me refiro àqueles exilados mais fora das áreas tradicionais de excelência portuguesa (e.g. pintores, porteiras, professores universitários), que falam exactamente como os seus colegas mais conhecidos, embora sejam menos conhecidos. Um exilado não-romântico é pelo contrário a espécie mais rara de exilado a quem, independentemente do que faz, não ocorre ver-se como representante do seu país de origem. Um exilado não-romântico jogará futebol, trabalhará na banca e descobrirá mesmo tratamentos promissores; mas agirá com a alacridade de quem sabe que fazer bem uma coisa é muito mais importante que falar em nome de terceiros. Sobre o futuro de Portugal não tem nada de especial a dizer.

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