Hoje, gostava de falar convosco dos “gangues” dos meninos bem comportados. Daqueles meninos que têm boas notas, que “não partem um prato” e têm sucesso. E que, em muitas circunstâncias, elegem um colega mais sensível, mais frágil ou, simplesmente, diferente e o destratam. O ignoram. O hostilizam. O ostracizam. E ameaçam. E que, por vezes, humilham. Em privado, regra geral.

Estes “gangues” de meninos bem comportados instrumentalizam um grupo e manipulam outras crianças, colocando-as num conflito de lealdades: ou estão com o “gangue” ou contra ele. E, quase num instante, bons miúdos são levados, por medo, a ignorar, a gozar e a desprezar. E isso acontece um dia atrás do outro, num conluio mais ou menos silencioso, à margem do conhecimento da escola. Todas as crianças sabem do que se passa mas, por medo, nenhuma denuncia. Nenhuma pede auxílio.

Pode uma escola conviver com tantas e tantas situações como estas duma espécie de “bullying de seda”, que não gera provas, que não cria marcas, que não deixa rastos? E o que é que faz que entre estas crianças boas e de famílias comprometidas com o seu crescimento saudável, haja uma que se toma como “chefe de gangue” e as outras como seus “operacionais” disciplinados?

E porque é que as escolas, quando sabem de tudo isto, regra geral, não actuam? “Porque os depoimentos das crianças carecem de veracidade” – este é um dos argumentos que as escolas usam; pasme-se. “Porque já estamos a caminho do final do ano” e estes alunos não vêm de meios socioeconómicos desfavorecidos e até têm boas notas – diz-se, logo a seguir. Seja… Mas eu, às vezes, acho que estas crianças que “não partem um prato”, que se fazem de “sonsas” e que têm boas notas corporizam muito daquilo que muitas escolas mais valorizam. Eles têm bons resultados, não têm?… Logo, são bons. Não!!!! Não é razoável admitir que miúdos um bocadinho sabidos e, regra geral, inseguros e assustados se tornem, com a complacência de todos, más pessoas. Magoando. Expondo ao sofrimento. Achincalhando. E maltratando. Que sejam miúdos atilados e compenetrados, que diferença faz?… Não deve a escola preocupar-se, sobretudo, em contribuir para transformar bons miúdos em boas pessoas?… De que serve, como já ouvi tantas vezes, que estes miúdos tenham “espírito de liderança” se, depois, alimentam essa veleidade rebaixando os outros?

As escolas não actuam porque ainda imaginam que os verdadeiros bullys são crianças carenciadas, com insucesso escolar e de famílias problemáticas! Talvez seja altura da escola acordar. Porque há muitas crianças vítimas que têm na distracção da escola uma complacência incompreensível. E crianças que vitimam que não têm da escola as medidas sensatas que as protejam dos seus actos e as ensinem a crescer.

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