Anteontem, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, umas centenas de esquerdistas recorreram à violência para impedir alguns conservadores de ouvirem Milo Yiannoupolos: lutaram com a polícia, agrediram a audiência, destruíram uma livraria. A conferência foi cancelada. Trump reagiu nas redes sociais, à sua maneira: se Berkeley consente semelhantes exercícios brutais de censura pela esquerda, deveria ser financiada pelo governo?

É este o dilema dos conservadores que, na América, representam a família da direita democrática e liberal. Trump parece prometer a mais enérgica reacção contra tudo aquilo de que muitos se queixam há anos, desde a tutela moralista das esquerdas até à convicção radical de que a lei só se aplica aos “burgueses”. Talvez mesmo a demagogia de Trump ou a sua má educação possam passar por virtudes, se vistas como indiferença pelo “politicamente correcto”. Eis, finalmente, alguém que não tem medo, que diz as coisas como elas são. Não deviam os conservadores juntar-se incondicionalmente atrás de Trump, mesmo lamentando certas atitudes ou discordando de algumas políticas?

Acontece que Trump não é um conservador. O proteccionismo e o isolacionismo que exibiu até agora contradizem os princípios fundamentais que constituíram o conservadorismo do nosso tempo, e inspiraram Reagan e Thatcher: o governo limitado, os mercados livres, a liberdade americana como parte da liberdade do mundo (um mundo que não pode ser metade livre e metade escravo, como dizia o cartaz da II Guerra Mundial). Nem no estilo está Trump em sintonia com os conservadores, que, mesmo quando mais agressivos, nunca negaram o debate regrado.

Abdicar de qualquer autonomia crítica perante Trump seria, para os conservadores, não apenas ceder de vez a direcção do Partido Republicano ao populismo nacionalista, mas também pôr em causa a filosofia conservadora. É o conservadorismo um mero “anti-esquerdismo”, para quem os inimigos dos nossos inimigos são sempre nossos amigos? Ou, pelo contrário, consiste o conservadorismo na guarda de certos valores, que os conservadores, se necessário, devem defender contra Trump, tal como defenderam contra Obama?

Mas os conservadores não estão apenas sob a pressão de Trump. Estão também sob pressão das orquestras do anti-trumpismo, dirigidas pelos maestros das esquerdas radicais ou radicalizadas. O radicalismo, como se viu na Inglaterra com Corbyn, em França com Hammon, ou nos EUA com Sanders e sobretudo depois da derrota de Clinton, avassalou as esquerdas: uns converteram-se, outros apanharam boleia, esperando usar os radicais para manterem ou recuperarem o poder. Agora, radicais e radicalizados aparecem aos gritos: juntem-se a nós, ou então juntem-se a Trump (comparado a Hitler, segundo o costume). “Ou reacção ou revolução”, como diziam os gonçalvistas em Portugal durante o PREC. Uma vez que a antiga esquerda democrática e liberal já capitulou, é a direita o alvo principal desta manobra de tribalização política.

Para Trump, tal dicotomia serve muito bem. Não foi por acaso que Trump promoveu tanto Sanders. Ou Trump ou o radicalismo, eis os termos a que os partidários de um e outro gostariam de reduzir a vida pública. Seria a forma de partilharem entre si o mundo político descoberto e por descobrir. A coacção sobre a direita democrática e liberal para que, tal como a esquerda, se submeta a esse tratado de Tordesilhas vai ser enorme. Multiplicar-se-ão os processos de intenção. A todos os que à direita resistirem a este maniqueísmo de pré-guerra civil, os trumpistas chamarão cripto-esquerdistas, e os anti-trumpistas chamarão cripto-fascistas. A desonestidade intelectual, como já se vai vendo, não terá limites. Nunca no nosso tempo a defesa da liberdade e da verdade foi tão difícil, mas também nunca foi tão importante.

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