“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 19°)

Quem nos nossos dias folhear um jornal ou ligar a rádio ou a TV, imediatamente se dá conta que eles crescem como cogumelos: são os negacionistas, e são criaturas perigosas!

Eppur si muove  terá murmurado Galileu ouvida a sentença. Afinal, existia um conhecimento sólido, milenar, do funcionamento dos céus, tudo batia certo, e duvidar disso, só podia ser negacionismo. Quase quatro séculos depois, revejo um livro sobre astronomia que tenho desde criança, e lá estava a nossa estrela, e os planetas nas suas órbitas, o sistema em volta da galáxia, a vida das estrelas, o nascimento e evolução do nosso quintal cósmico, novamente arrumado e, pasmem-se, também batia tudo certinho. Passadas já umas décadas, podemos hoje ver documentários fabulosos sobre o universo. Nestas décadas, o conhecimento evoluiu, e hoje já ninguém sabe dizer com segurança como o nosso sistema se formou: Júpiter viajou até junto ao Sol? Saturno afastou-o? Urano trocou de posição com Neptuno? planetas foram cuspidos, queimados pelo Sol, destruídos? pode o nosso ser um planeta de segunda geração?

A ciência é mesmo assim: uma procura por conhecimento, que tem que lidar com probabilidades e incerteza, que implica no processo, tentativa e erro. É algo bem distinto de verdade e certeza.

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Negacionismo sempre houve e sempre haverá, o que nos diz tanto que os bobos ou ignorantes também são filhos de Deus como sobre a eficiência da comunicação científica. Todavia, a maioria das discrepâncias não se prende com o conhecimento em si, mas sim com o uso que se faz dele. É que, se o funcionamento celestial pouco interfere nas nossas vidas, já outros campos do saber podem e muito condicionar o nosso quotidiano – impedindo-nos de sair de casa ou esmifrando a nossa carteira, por exemplo – e quase sempre, nestes casos, a ciência não nos pode ajudar, uma vez que é, supostamente, neutra no que a políticas e valores diz respeito. Fazer algo/tomar medidas – como seja a gestão de uma pandemia ou a chamada ação climática – não é ciência, é política e é no campo político que este termo se vai vulgarizando, e a partir daí difundindo por uma comunicação social que veste a pele do “idiota útil” e tem alimentado, de forma acéfala, sem questionamento, sem contraditório, alguns entertainers que se auto-intitulam guardiões da ciência, mas que com as suas posturas anti-científicas, apenas se revelam pretensos donos da verdade.

Tais personagens têm apontado baterias aos negacionistas. Fazendo fé neles, é tal peste a maior ameaça ao nosso futuro. Quando o trabalho da task force colocou Portugal no topo do desempenho de vacinação, talvez o mérito não seja do vice-almirante, antes aos comentários destas figuras… Claro que não é o tolo que nega a existência de um vírus, ou o aquecimento do clima, que apoquenta tal gente. O mal está em quem se dá ao trabalho de pensar. Contra esses, o objetivo é insultar, intimidar, desacreditar qualquer ponto de vista oposto: quem não concorda connosco, é porque é maluco, terraplanista, nega o holocausto, o “tolo da aldeia” na adjetivação de um deles, há uns dias, a um canal televisivo.

Isto não passa de propaganda, achando-se os propagandistas a última bolacha do pacote, admirando ao espelho o virtuosismo do seu pensamento e considerando, em consequência, que os outros são todos estúpidos ao relativizarem a importância que estas almas têm. Irritam-se quando realizam haver mais vida para além da Covid ou do Clima – pois é amigos, isto não é o mar de rosas de Miguel Sousa Tavares, a maioria tem que contar os trocos da carteira para comer, pagar a prestação da casa, assegurar empregos, educar os filhos, garantir a segurança dos seus bens, etc., e como bem disse o PR, “quando tudo é importante, nada é importante”, pelo que é natural que o que as pessoas priorizem vá além do que vos dá palco. De facto é preciso uma grande lata para se achar que as pessoas devem acatar serenas tudo com que são agraciadas. Vejam-se as últimas da energia em matéria de alterações climáticas: os trabalhadores que perdem empregos? o risco da dependência de solar e eólica dar lugar a apagões catastróficos? O preço da gasolina ou da eletricidade (encarecendo a vida de ricos, pobres, empresas…)? Nada disto deve ser discutido pelas ovelhas que descontam e pagam, e devem, segundo esta linha, limitar-se a ser pastoreadas. É que dos que pagam gasolina aos pobres quando compram pão, passando pelos que ficam sem emprego, pelos que ficam sem apoios, pelos que ficam à porta do restaurante, não são lesados pelos negacionistas, são lesados pelos representantes que elegeram, e sim uma explicação é-lhes devida.

Como a quem só tem um martelo, tudo parece um prego, reagem à martelada, com apelos à censura, mostrando a veia inquisitorial, o quanto ignoram o próprio processo científico e o quanto lhes falta de ética política e lhes sobra em autoritarismo e intolerância. Este jornal, até porque é um dos que não aceitou o discriminatório apoio público, um dos que tem respeitado a pluralidade que só enriquece o debate, também foi por isso mesmo visado. Diz um provérbio chinês que “o sábio discute ideias, o comum discute factos, o medíocre discute pessoas.” Esta gente pode nunca ter lido Sócrates ou Descartes, mas tem certamente sabedoria de sobra para sair da mediocridade.