Vivo um dos tempos mais felizes da minha vida porque os nossos rapazes estão a preparar-se para o baptismo. Como não será novidade para muitos, os baptistas só baptizam pessoas que dizem que querem ser baptizadas. De parte ficam, por isso, bebés. Esta convicção torna o nosso baptismo colado às palavras ditas pelos que o desejam. Não conseguimos separar a água do baptismo do discurso necessário por quem nela se molhar. Talvez por isto, os baptistas usam muita água para se baptizarem e, com frequência, muitas palavras para todo esse processo.

Os nossos rapazes escrevem agora os seus testemunhos. O que são esses testemunhos? Eles são pequenos discursos que contam a razão de cada candidato se querer baptizar. Nesses discursos existe sempre uma história, naturalmente pessoal, em que cada um articula um antes e um depois, dividido por Jesus. O antes é o tempo em que admitimos não só a nossa distância, mas mesmo a nossa inimizade com Deus. Num testemunho baptista não faz sentido falar de Deus como uma pessoa que vimos sempre com bons olhos porque isso anularia o melhor que nos aconteceu através do arrependimento.

O tempo depois é aquele que existe quando encontramos Jesus. Não sabemos encontrar Cristo sem ser pelo arrependimento porque o arrependimento é o primeiro fruto da fé, segunda a nossa leitura obsessiva da Bíblia. Logo, um testemunho implica sempre estes dois actos de Antes de Cristo e Depois de Cristo, que revelam o candidato ao baptismo como alguém que passou da inimizade para o amor a Deus. Sei que são conceitos exigentes, estes como o da inimizade. E que podem até soar forçados pensando no facto de que, por exemplo, o nosso rapaz mais novo ainda nem treze anos tem.

Mas a verdade é que, sem a admissão do errado no estado antes de confessar Cristo, o baptismo perde a sua força. O baptismo só tem a força de um princípio quando há uma vida nova que efectivamente rejeita outra anterior. E escrever um testemunho para o baptismo é sempre assumir essa história dentro da nossa, tenhamos 12 ou 92 anos. Isso significa também que para a pessoa se baptizar tem de cultivar uma consciência robusta do mal dentro de si, algo que hoje é visto como doentio. Mas, lá está, só pessoas minimamente doentias podem fascinar-se pela ideia de, ao tomarem um banho à frente das outras, terem uma vida melhor.

Assistir ao caminho que os meus rapazes fazem para se baptizar é muito bonito. Eles têm de usar palavras para nomear coisas difíceis dentro deles. Um homem só pode ser homem quando não foge dessa dificuldade de usar palavras para reconhecer o que dentro de si não é bom. Até isso acontecer, mantemo-nos num estado de timidez diante de nós mesmos, não querendo mudar, e diante dos outros, evitando as palavras que nos denunciam. Uma pessoa que se quer baptizar é uma pessoa que afirma que o primeiro problema do mundo é ela própria. O baptismo é o recomeço de todo o Universo porque se todos nos denunciássemos primeiro do que denunciamos os outros, o mundo era outro.

Os nossos rapazes ao usarem palavras para escrever o testemunho que os levará a descer às águas do baptismo, demonstram que já desceram à palavra mais importante de todas que é Cristo. O primeiro verbo dá-nos muitos mais verbos depois. Neste sentido, o baptismo dos nossos rapazes é a verdadeira alfabetização deles. A partir do momento que já sei dizer que o maior problema do mundo sou eu, aprendi a lê-lo.

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