Como já se escreveu, o Governo ganhou uma importante batalha política com os indicadores positivos do saldo orçamental de 2016 e do crescimento no final do ano. Mas o país não ganhou a guerra, com alertam, e bem, quer o FMI, na sua quinta avaliação pós-programa, como a Comissão Europeia, que mantém Portugal, no mínimo, sob apertada vigilância. Temos de estar conscientes que os problemas da economia portuguesa não despareceram porque o Governo mudou, distribuiu algum dinheiro e decretou que existem alternativas fáceis para países endividados.

Para quem quer estar preparado para novas fases de austeridade, a prudência financeira é o comportamento mais adequado nestes tempos tão incertos. E, especialmente, é preciso ler e ouvir tudo, especialmente aquilo com que não estamos de acordo. O que significa ler relatórios internacionais e aquilo que reportam os jornalistas, contrariando aquilo que ditam as redes sociais, onde vemos, quase, apenas aquilo de que gostamos.

Os relatórios que foram divulgados esta semana sobre Portugal são especialmente importantes para esse realismo, que deve ser o tom da gestão das nossas vidas, se não quisermos ser apanhados, de novo, desprevenidos, como no pós crise financeira de 2007.

Os alertas que a Comissão e o FMI nos deixam são semelhantes.

No caso da Comissão Europeia podemos ler: “Portugal regista desequilíbrios excessivos. O elevado stock de responsabilidades líquidas externas [leia-se dívida externa líquida], privada e pública, e o elevado peso de crédito malparado são vulnerabilidades num contexto de um desemprego em queda mais ainda elevado e de produtividade baixa”.

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Os alertas feitos agora por Bruxelas contrastam com os elogios a Portugal, feitos há pouco tempo pelo comissário Pierre Moscovici. Desta vez falou o comissário Valdis Dombrovskis, responsável pelo exercício do Semestre Europeu. Estas divisões de perspectiva dentro da própria Comissão Europeia exigem de nós atenções redobradas. Os comissários também têm país, com os seus problemas específicos, e convicções. Pierre Moscovici é francês – país que também enfrenta problemas financeiros e vai ter eleições em breve – e é socialista. Dombrovskis é letão, licenciado em Física e Matemática com um país praticamente em equilíbrio orçamental e uma dívida pública que não chega aos 40% do PIB (o português é da ordem dos 130%). E que tem sido muito critico em relação a Portugal.

No mesmo dia em que a Comissão Europeia revela a sua avaliação no quadro do Semestre Europeu, o FMI diz na sua quinta avaliação pós-programa: “São necessários esforços ambiciosos para melhorar a resistência do sector financeiro, assegurar uma consolidação orçamental duradoura e aumentar o crescimento potencial de forma a reduzir os riscos internos. A interligação entre um crescimento modesto, elevadas necessidades anuais de financiamento e um sistema bancário que enfrenta desafios deixa Portugal vulnerável a um conjunto de choques, que podem desencadear alterações na avaliação (do país) e aumentar os custos dos empréstimos”.

Os avisos de Bruxelas e de Washington são muito úteis para evitarmos ilusões que nos podem sair caras, tanto ou mais quanto nos custou, no passado, acreditar que o endividamento seria pago pela prosperidade futura ou pelo simples facto de nos estarmos a endividar em euros. Ou ainda atermos acreditado ate muito tarde que estávamos imunes à crise financeira iniciada nos Estados Unidos em 2007. É preciso levar esses alertas a sério, sem nos deixamos cegar pelo clubismo partidário.

Claro que o Governo tenderá a desvalorizar os avisos, como aliás o faz no documento da quinta avaliação pós-programa do FMI. Mas dizer, como diz o Governo, que os riscos que o país enfrenta são basicamente externos não nos resolve problema nenhum, caso eles se venham a confirmar. Temos de nos preparar para esses eventuais riscos que são a subida das taxas de juro, um mundo mais proteccionista ou, pesadelo dos pesadelos, o desmoronamento da Europa como a conhecemos.

Também nada ganhamos com o facto de o Governo desvalorizar os alertas, argumentando que as instituições internacionais, como boa parte dos analistas, se enganaram nas previsões para 2016. As previsões são feitas com os dados que se tem na altura e, objectivamente, o crescimento de 2016 foi inferior ao de 2015. Quanto às contas públicas, é preciso não esquecer que foi o Governo que acabou por gastar menos do que aquilo que disse que iria fazer. Sim, merece ser felicitado, por ter conseguido apertar a despesa pública, ao mesmo tempo que devolvia salários e sem causar instabilidade social. Mas precisamos de mais um ano, para perceber se esse aperto na despesa se consegue manter e se essa ausência de manifestações ou notícias de falta de dinheiro na saúde ou na educação vai persistir.

Precisamos de crescer pelo menos 4% em termos nominais – ou seja, somando a taxa de inflação ao valor da taxa de crescimento real, que é o número que vemos nas notícias – para conseguirmos sair com algum conforto da zona de perigo em que ainda estamos. É mais menos essa a taxa de juro implícita na nossa divida pública.

Quando, em meados da década de 80, estávamos a sair do segundo plano de estabilização do FMI, o então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva herdou uma economia mais equilibrada – ainda com Governo de minoria – que, com a entrada na então CEE, deu um contributo para a sua primeira maioria absoluta. Desta vez não temos em perspectiva qualquer “sorte grande” como foi a entrada na Comunidade, com entradas massivas de fundos.

Aquilo que se consegue ver no horizonte são nuvens de populismo, proteccionismo e subida de taxas de juro. Tudo junto são perspectivas péssimas para um país como Portugal, endividado e muito dependente do exterior para crescer – o turismo foi e está a ser a nossa pequena sorte grande nesta crise. Diz a sabedoria popular que “o seguro morreu de velho”. Se não queremos voltar a enfrentar as dores da austeridade recente, o bom senso recomenda que não nos deixemos iludir.